Você já deve ter ouvido falar dos AINEs e, provavelmente, não foram poucas vezes. Mas, mais do que ouvir falar, você sabe quem eles são? Qual a função? Como atuam?
Se a resposta for “não”, pare tudo o que você está fazendo agora, e leia esse artigo, pois esse é um assunto de extrema relevância que vai te acompanhar para o resto da vida, acredite.
Pra começar, o que significa AINEs?
Os AINEs são os Anti-Inflamatórios Não Esteroidais. Não ser esteroide significa que não há componentes esteroidais hormonais na composição de tais medicamentos.
Qual a finalidade dos AINEs?
Como o próprio nome diz, uma das finalidades importantes dos AINEs é o efeito anti-inflamatório, mas outros efeitos também importantes podem ser obtidos a partir do uso de tal classe medicamentosa.
Por exemplo, na febre, os AINEs podem ser utilizados. Ou, ainda para efeito analgésico, são bastante procurados.
Como os AINEs atuam?
Os AINEs possuem uma ação que promove inibição, central e/ou periférica, de uma enzima chamada ciclooxigenase, comumente conhecida como COX. A partir dessa inibição, uma série de outras substâncias deixa de ser produzidas e assim, temos o controle de algumas situações como febre, dor e inflamação.
Mas antes de entrarmos nos tipos de AINEs, precisamos entender qual o mecanismo de ação dos mesmos, pois assim ficará mais fácil entender algumas de suas peculiaridades.
Mecanismo de ação: A cascata do ácido araquidônico
Você conhece essa cascata? Já ouviu falar? Sabe por que ela se inicia?
O ácido araquidônico é um componente normal das nossas membranas celulares. Quando ocorre alguma lesão ou estímulo celular, nossa membrana celular também é lesada, e, então, há ativação da fosfolipase A2, que fosforila e libera o ácido araquidônico. A partir daí, inicia-se uma cascata.
O ácido araquidônico é substrato para produção de várias substâncias que serão produzidas por diferentes vias: a via da Lipoxigenase (LOX), e a vida da ciclooxigenase (COX).
A via da LOX produz os leucotrienos, que possuem funções como quimiotaxia, vasoconstricção, broncoespasmo e aumento da permeabilidade vascular. Geralmente, o aumento de sua produção está relacionado a doenças inflamatórias, como, por exemplo, a asma.
A outra via que pode usar o ácido araquidônico como substrato é a via da COX, que é a principal via a ser estudada hoje. Quando o ácido araquidônico é convertido pela COX, ele produz as prostaglandinas e tromboxano.
Quais prostaglandinas são produzidas? Diferentes tipos são produzidos, como a PGI2 (prostaciclina), a PGD2, PGE2, PGF2α, entre outras. E também é produzido o tromboxano A2 (TXA2). Mas saber esses vários nomes de nada adianta se não soubermos explicar a função desses compostos, certo!?
A PGI2 é uma prostaciclina que possui algumas funções essenciais, como vasodilatação e redução da agregação plaquetária (ou seja, evita a formação de trombos).
Já o tromboxano A2 é um vasoconstritor e aumenta a agregação plaquetária, tendo, portanto, um caráter trombogênico.
E as PGD2, PGE2, PGF2α promovem vasodilatação e edema. Mas as PGF2α possuem uma característica importante, pois elas agem principalmente nas células uterinas, promovendo contração uterina, atuando no processo de cólicas menstruais.
E agora que entendemos quais são as substâncias produzidas e algumas de suas ações principais, vamos entender onde entram os AINEs nesse processo.
Os AINEs, como já foi dito anteriormente, fazem inibição da COX, ou seja, inibem a produção das substâncias produzidas na via da COX, mas você acha que as COXs são produzidas apenas em quadros não fisiológicos, ou será que elas possuem ações fisiológicas?
Olhando para as características das substâncias que conversamos acima, o que você acha? Tudo indica que participam de processos fisiológicos, não é mesmo!? E se forem inibidas, o que isso pode gerar ou alterar em nosso organismo? Já parou pra pensar nessas questões?
Os diferentes tipos de COXs
Nós temos em nosso organismo três subtipos principais da enzima COX: COX 1, COX 2 e COX 3. As substâncias a serem produzidas variam de acordo com qual COX atua, por isso a importância em conhecer os diferentes tipos de COX.
COX 1
A COX 1 é uma enzima constitutiva, ou seja, ela é de suma importância para processos fisiológicos e homeostáticos. Pela ação dessa enzima, são produzidas prostaglandinas que atuam na mucosa gástrica, promovendo proteção da mesma, uma vez que reduzem a secreção de HCl, e aumentam a produção de muco rico em bicarbonato, para, assim, regular a acidez gástrica.
A COX 1 também promove a produção de tromboxano A2, que é uma substância pró agregante. A agregação plaquetária, controlada, é de suma importância para a vida, faz parte da primeira etapa do processo de hemostasia, controlando processos hemorrágicos.
Também há a produção de prostaglandinas vasodilatadoras que atuam a nível renal, aumentando a taxa de filtração glomerular (pelo aumento do fluxo sanguíneo nos rins) a níveis normais.
E você pode nesse momento estar pensando: qual o sentido de inibir uma enzima que medeia diversos processos necessários à homeostasia?
Essa pergunta tem todo sentido, e veremos a seguir que alguns AINEs não inibem essa enzima, para assim manter suas ações fisiológicas.
COX 2
Outro tipo de COX, é a COX 2. Ao contrário da COX 1, a maior parte da COX 2 é induzida, ou seja, não está constitutivamente presente em nosso organismo. É produzida frente a um estímulo.
A COX 2 induzida está relacionada principalmente aos processos inflamatórios. Relacionada a febre, dor e inflamação.
Mas há também a COX 2 constitutiva, que possui funções importantes. A primeira delas é que, na mácula densa, há uma expressão importante de COX 2, e essa atua fazendo controle da taxa de filtração glomerular, e excreção de sódio.
Outro local que possui COX 2 é no endotélio vascular, e sua ação leva a produção de PGI2 , você lembra o que essa substância faz? Vasodilatação e função antiagregrante plaquetária, ou seja, potencial antitrombogênico.
COX 3
A COX 3 (ou COX 1b) é expressa principalmente no sistema nervoso central, e está presente em processos de febre e dor.
Agora que já sabemos de onde se originam as substâncias, suas funções e qual COX está envolvida no processo, podemos falar sobre os tipos de AINEs.
Tipos de AINEs
Há no mercado diferentes tipos de AINEs, e a diferença entre eles é: qual COX é inibida.
Temos AINEs reversíveis e irreversíveis.
Irreversíveis
Os AINEs do tipo irreversível são aqueles que se ligam irreversivelmente as COXs. Tenho certeza que você já ouviu falar do AAS, conhecido também como aspirina, ou ainda ácido acetil salicílico. O AAS foi o primeiro AINE, e ele é o exemplo de um AINE irreversível.
Como eu disse, a grande diferença dos AINEs é qual a COX é inibida por ele.
O AAS é um AINE não seletivo, ou seja, bloqueia tanto a COX 1 quanto a COX 2, porém possui uma afinidade maior a COX 1.
E por que usar AAS? O AAS em baixas doses faz o bloqueio principalmente da COX 1 presente nas plaquetas e no endotélio vascular. Lembra que eu disse anteriormente que, a COX 1 é uma importante produtora de tromboxano A2?
O AAS, ao inibir a COX 1, promove redução de tromboxano A2, e, assim, reduz o efeito trombogênico do mesmo.
Ao mesmo tempo, a COX 2 presente no endotélio quase não é inibida, permanecendo a produção de PGI2, que é uma importante substância antiagregante, e assim promove uma das funções mais conhecida do AAS, que é o efeito antiagregante.
Mas sendo o AAS um inibidor das COXs, ele pode desempenhar outras funções, como por exemplo, o efeito antitérmico, uma vez que bloqueia a COX 2, reduz a produção de PGE2 . E como isso interfere na febre?
Quando ocorre uma infecção, os microrganismos liberam pirógenos. Esses pirógenos exógenos são reconhecidos pelas células de defesa, os leucócitos, que produzem e liberam os pirógenos endógenos, como a PGE2 . Nós temos, na área pré óptica do hipotálamo, um set point, que regula a nossa temperatura corporal a 37 °C. A PGE2 promove uma alteração do set point, aumentando o valor de 37 °C. Ou seja, o hipotálamo não percebe que a temperatura está elevada, e, assim, não há o controle da temperatura, e assim temos o quadro febril.
Quando os AINEs inibem as COXs, inibem também essa produção de PGE2, e, com isso, o set point retorna ao normal, e o organismo que está com a temperatura elevada inicia alguns mecanismos para perda de calor, como a sudorese.
O AAS é também um analgésico. As prostaglandinas provocam redução de limiar de dor. Isso que dizer que torna-se mais fácil um estímulo desencadear dor, pois o limiar a ser atingido está menor. Como o AAS inibe produção de prostaglandinas, ele impede que essa alteração no limiar aconteça.
Reversíveis
Ao contrário dos AINEs irreversíveis, os reversíveis inibem temporariamente as COXs.
Dentre os AINEs reversíveis, temos algumas diferentes subclassificações: AINEs reversíveis não seletivos da COX; os AINEs parcialmente seletivos para COX 2; AINEs altamente seletivos para COX 2; AINEs seletivos para COX 3.
AINEs reversíveis não seletivos da COX
Esses AINEs atuam inibindo tanto a COX 1, quanto a COX 2, de forma reversível. Temos alguns exemplares que também tenho certeza que você já ouviu falar e, provavelmente, já utilizou.
A famosa dipirona, o ibuprofeno e o diclofenaco são AINEs não seletivos. Eu disse que você conhecia e já havia usado, acertei?!!!
Esses AINEs são muito utilizados, pois possuem efeitos antitérmico (controlam quadros febris) e analgésico (controlam quadros álgicos de leve intensidade).
Esses efeitos ocorrem por meio dos mesmos mecanismos que falei anteriormente do AAS, e a explicação simples para isso é que eles inibem as COXs (COX 1 e COX 2).
O ibuprofeno (ácido isobutilpropanoicofenólico) é um anti-inflamatório não esteroidal não seletivo, muito utilizado, sendo uma importante opção em muitas patologias.
Está listado pela OMS (Organização Mundial de Saúde) e pela OPAS (Organização Pan Americana da Saúde) como medicamento essencial. Ele inibe tanto a COX 1 quanto a COX 2.
É um medicamento indicado em diversas situações que incluem inflamação, dor e febre, como cefaleia, enxaqueca, dismenorreia primária, artrite reumatoide e osteoartrite.
AINEs parcialmente seletivos para COX 2
A COX 2, como vocês já sabem, em sua grande parte, é induzida, sendo liberada em processos inflamatórios, por exemplo. Enquanto a COX 1, por sua vez, está envolvida basicamente em processos constitutivos e homeostáticos.
Dessa forma, ter um AINE que inibe principalmente a COX 2 pode ser interessante em alguns casos.
Os AINEs parcialmente seletivos para COX 2 são fármacos que possuem maior afinidade pela COX 2, porém podem inibir também a COX 1. Quem são eles? A nimesulida, o meloxicam e o etodolaco são exemplos dessa categoria.
A nimesulida é amplamente utilizada para tratamento de dor, febre e inflamação. Indicado em dores agudas, osteoartrite e dismenorreia primária.
Porém, apesar de muito utilizado, apresenta riscos importantes já relatados em diversos países, como o risco de dano hepático relacionado a uso prolongado e idade avançada, e que, apesar de ainda não existirem relatos no Brasil, representa uma grande preocupação.
AINEs altamente seletivos para COX 2
Os AINEs altamente seletivos para COX 2 são aqueles que inibem seletivamente a COX 2, ou seja, não inibem a COX 1. Com isso, a função protetora gástrica de prostaglandinas produzidas via COX 1 não é afetada. E inibe a COX 2, fazendo o controle da inflamação, da febre e da dor.
Mas, no início, falamos que no endotélio vascular há COX 2, e essa é importante para a produção de prostaciclina (PGI2), uma substância vasodilatadora e antiagregante. Se há inibição da COX 2, não há a produção de PGI2, e isso pode ser maléfico, concorda!? Por esse motivo, indivíduos que tenham risco ou história pregressa de eventos tromboembólicos não podem utilizar essa classe de AINEs.
Os representantes do grupo são os coxibes, sendo o mais utilizado o celecoxib, um AINE utilizado em tratamento de osteoartrite, artrite reumatoide e como analgésico, sendo indicado principalmente em paciente com úlceras gástricas e que não possuem risco para eventos tromboembólicos.
AINEs seletivos para COX 3
Os AINEs seletivos para COX 3 (COX 1b), são representados pela dipirona e pelo paracetamol. A COX 3 está relacionada a processos de dor e febre e, por isso, sua inibição promove efeito antitérmico e analgésico.
A dipirona possui um pequeno efeito de reduzir a inflamação, lembrando que ela é um inibidor não seletivo e pode inibir a COX 2. Porém, não é utilizada com esse intuito, pois há, no mercado, outros medicamentos que possuem um efeito anti-inflamatório mais potente.
Tanto a dipirona, quanto o paracetamol, não atuam diretamente na inibição. Esta ocorre por meio dos metabólitos ativos dos fármacos. Ambos medicamentos são muito utilizados, e muitas vezes de forma incorreta pela automedicação. Quem nunca recorreu à dipirona em um quadro de dor ou febre?!!
O principal problema é o uso de doses incorretas, especialmente doses maiores do que o recomendado. Com isso, efeitos tóxicos podem acontecer.
Conclusão
Vimos, assim, que os AINEs são importantíssimos para controlar certas situações, e acredito que você percebeu o quanto eles estão presentes em nosso dia a dia.
Conhecer os diferentes tipos de AINEs e seu papel, de acordo com a enzima inibida, é um grande passo no entendimento da farmacologia dos AINEs.
Espero ter contribuído com esse entendimento! Até a próxima pessoal! Bons estudos!
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Tudo ótimo! E contigo? Que bom que curtiu. Obrigado!
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