Vocês já devem estar cansados de saber que a formação médica não pode/não deve estar centrada apenas na questão técnica e científica. Não é apenas aprender a fazer um diagnóstico, a interpretar um exame, realizar procedimentos e cirurgias… Já parou para pensar que devemos aprimorar a empatia, melhorar nossa capacidade de lidar com os pacientes, conseguir nos colocar no lugar do outro, ter mais intimidade com a situação que nosso paciente está passando…? E, para isso, podemos desenvolver técnicas, mesmo para aqueles que possuem uma dificuldade um pouco maior para tal.
Segundo alguns estudos, os médicos, durante a etapa de residência médica, perdem um pouco sua empatia, e existem diversas explicações para o possível acontecimento.
Nesse artigo, vamos abordar um pouco sobre o porquê de alguns médicos perderem a empatia com o tempo; se é possível “ensinar” empatia durante a residência médica; o que é empatia de fato; e quais ferramentas podemos utilizar para melhorar essa “técnica”. Isso tudo baseado principalmente no artigo “É possível ensinar empatia durante a residência médica?” (Laranjeira CL, Lamaita RM) de 2020.
ANTES DE TUDO, O QUE É EMPATIA?
A palavra empatia é de origem grega, empátheia, que tem como significado literal “paixão, estado de emoção”. Segundo o dicionário da língua portuguesa, a palavra empatia é definida como a “capacidade de se identificar com outra pessoa, de sentir o que ela sente, de querer o que ela quer, de apreender de modo como ela apreende”. Ou de forma ainda mais literal, segundo o dicionário, é um substantivo feminino sendo definido como “faculdade de compreender emocionalmente um objeto”, “capacidade de projetar a personalidade de alguém num objeto, de forma que este pareça como que impregnado dela”.
Além do significado literal, a psicologia encara a empatia como “o processo de identificação em que o indivíduo se coloca no lugar do outro e, com base em suas próprias suposições ou impressões, tenta compreender o comportamento do outro”. Segundo a sociologia, a empatia pode ser dividida em três pontos / aptidões: é necessário se ver do ponto de vista de outra pessoa; ver os outros do ponto de vista de um terceiro ou para ver os outros do ponto de vista deles mesmos.
COMO DEMONSTRÁ-LA DE FORMA SIMPLES?
Em geral, demonstramos empatia por contato visual, expressão corporal, pela postura diante o paciente, pelo afeto demonstrado ao outro, tom de voz, a capacidade de ouvir o que o paciente tem a dizer e, principalmente, as respostas que fornecemos focados no problema do outro.
E QUAL SUA IMPORTÂNCIA NA PROFISSÃO MÉDICA?
É um elemento fundamental nas interações e relação médico-paciente, sendo um pilar da comunicação na prática clínica. Sabe-se que um atendimento realizado com empatia, além de aumentar a motivação do paciente perante o tratamento proposto, melhora a avaliação do paciente em relação à qualidade do profissional e seu desempenho.
SENDO ASSIM, NÃO SERIA IMPORTANTE “ENSINAR” EMPATIA DURANTE A FORMAÇÃO MÉDICA?
A resposta é claro que sim! E isso é fácil? Aí a resposta é claro que não! No entanto, algumas ferramentas já existem para tentar melhorar esse processo. Mais pra frente falaremos sobre isso no artigo.
Durante a faculdade de Medicina, acredito que ainda há um foco maior sobre a empatia e relação médico-paciente do que na própria residência médica.
Porém, durante os anos de residência médica se faz muito importante incluir a empatia no plano de ensino e desenvolvimento de habilidades práticas. E isso não só visando os pacientes, mas também o trabalho em equipe. Isso tem se tornado, aos poucos, um foco entre os educadores da área da saúde e preceptores de residência médica (embora ainda estejamos engatinhando sobre isso, não é mesmo?). Esse foco deve ser ainda mais intenso durante a residência, já que observamos, tanto na prática quanto em trabalhos de autores especialistas do assunto, que a empatia tem seus níveis reduzidos com o passar dos anos da residência médica.
POR QUE HÁ UMA QUEDA NOS NÍVEIS DE EMPATIA DO PROFISSIONAL DURANTE A RESIDÊNCIA MÉDICA?
Não há uma explicação específica e direta para isso, mas um conjunto de fatores que podem contribuir para isso. Acredito que o principal deles é que o foco da Residência Médica, na maior parte do nosso país, encontra-se na produtividade em massa, na velocidade dos resultados, na quantidade de resolubilidade, muitas vezes não “sobrando” tempo para o desenvolvimento de uma conversa elaborada, com paciência, capaz de desenvolver uma relação médico-paciente e a demonstração/desenvolvimento de empatia.
Há diversos trabalhos demonstrando o índice de depressão, ansiedade e burn out que acometem os residentes médicos, o que também pode contribuir, e muito, para a falta de empatia perante os pacientes.
Obviamente não podemos colocar a “culpa” em tão poucos aspectos para um tema de tamanha complexidade, mas acredito que esses possam ser dois dos principais.
COMO ENSINÁ-LA?
Algumas estratégias já existem a fim de tentar ajudar no desenvolvimento dessa habilidade no campo médico. A residência médica da Febrasgo (em sua 2ª edição de matriz de competências) propõe competências específicas no que diz respeito a ter ou não ter empatia. Sendo assim, propõe que, ao final da residência médica, o médico deva ser capaz de:
– Possuir habilidade para escuta ativa, linguagem apropriada, de fácil compreensão e não depreciativa em toda sua relação médico-paciente;
– Demonstrar compaixão, integridade e respeito pelos pacientes e colegas de equipe;
– Demonstrar respeito pela privacidade e autonomia do paciente;
– Comunicar-se de forma apropriada com pacientes e familiares em situações de menor ou maior complexidade;
– Organizar e participar de orientações em equipe multidisciplinar para pacientes, familiares;
– Engajar-se na tomada de decisão compartilhada, incorporando quadros culturais dos pacientes e das famílias.
Como sugerido na residência médica de ginecologia e obstetrícia da FEBRASGO, o treinamento da empatia deve ser incorporado nos programas de residência médica em geral. Para isso, já existem diversas ferramentas como workshops, vídeos com experiências boas e ruins durante um atendimento médico, cenários de simulação e etc. Isso não pode ser algo isolado, mas sim ser algo constante na grade curricular do médico residente.
É verdade que não se trata de uma tarefa fácil. Alguns indivíduos já possuem empatia por conta própria. Não é à toa que Carl Rogers, psicólogo humanista, por mais que acredite que a empatia poderia ser considerada uma habilidade com possibilidade de ser ensinada, ele admite que a empatia não é tanto uma habilidade, mas um modo de ser. E que talvez fosse uma característica diretamente dependente do contato do indivíduo com o ambiente familiar, a escola e a escola médica e com as pessoas com as quais o residente entrou em contato ao longo da vida.
Já para Edith Stein, uma fenomenologista alemã, a empatia pode ser facilitada. No entanto, não pode ser forçada! Quando a empatia ocorre é por que foi experimentada sem que nada a forçasse para acontecer. Isso a torna difícil de ser ensinada.
FERRAMENTAS E EXERCÍCIOS PARA O DESENVOLVIMENTO DA EMPATIA:
Uma das maiores dificuldades à confecção de práticas e pesquisas que abordem a empatia é a escassez de ferramentas capazes de medir / mensurar ou serem sensíveis à percepção de empatia. No entanto, nos últimos anos, alguns aparatos e escalas estão surgindo no sentido de facilitar tal operação. A Jefferson Scale of Physician Empathy (JSPE) é uma escala para medida de empatia entre os profissionais de saúde. Também temos a Interpersonal Reactivity Index (IRI). Dentre todas, a JSPE mostrou-se com maior validade, capaz de medir de alguma forma sinais de empatia que são relevantes para o atendimento do paciente.
Realmente, faz muito mais sentido que a empatia seja passada para os residentes médicos como “exemplo” (ou seja, verificando a postura dos preceptores, dos chefes de serviço e seus superiores), e não algo a ser ensinado e aprendido. Presenciar uma relação médico-paciente pautada na empatia é muito mais valioso do que tentar explicar ou falar sobre.
– Exercícios para o ensino de empatia:
Como dito anteriormente, a empatia pode ser ensinada tanto pelo “exemplo dado” como por estratégias de ensino diretas, sendo as principais por discussão em situações reais e cenários de simulação. Ambas as ferramentas devem ser focadas nas experiências empáticas e não empáticas dos residentes, pontuando cada uma especificamente.
Grupos de discussão embasados em relatos de atendimentos empáticos devem ser realizados, explicitando cuidadosamente as técnicas de comunicação utilizadas, o tipo de contato visual e expressão corporal. Pontuar possíveis atitudes não empáticas acontecidas (sem expor de forma indelicada as pessoas) também são de grande valia para a discussão.
Outra forma são as sessões de dramatização tipo role play, ou seja, um “teatro” em que residentes voluntários interpretam o papel de pacientes em situações difíceis e outro residente faz o papel do médico responsável. Após a simulação, o preceptor faz um feedback sobre as posturas adotadas.
– Experiências vividas:
É comprovado que os médicos possuem muito mais facilidade de desenvolver empatia com os pacientes que estão passando por alguma situação semelhante ou parecida ao que alguém da vida pessoal do profissional passou.
ENSINADA A EMPATIA:
O médico que consegue atingir o nível de empatia esperado por parte dos seus pares e de seus pacientes, consegue alcançar um nível dentro da profissão que é admirado, em que seu desempenho é cada vez mais otimizado, e que seus pacientes conseguem obter e se dedicar cada vez mais.
Com isso, a prática de ensino da empatia, principalmente durante a residência médica deve ser valorizada e se tornar uma realidade.