A tuberculose é uma das doenças infecciosas mais importantes de toda a história da humanidade e ainda permanece como importante preocupação a nível de saúde pública globalmente.
O Brasil faz parte do grupo de 30 países definidos pela OMS como prioritários para o controle da doença e a sua incidência em nosso meio gira em torno de 71 mil casos novos por ano, com 4 mil mortes, o que nos coloca no 20º lugar no ranking mundial do número absoluto de casos.
A tuberculose pode acontecer em diferentes órgãos e sistemas do corpo humano, principalmente sistema nervoso central, linfonodos, sistema osteoarticular e pleura, dentre muitos outros, mas a forma mais comum é, sem dúvidas, a pulmonar, que será o foco do nosso estudo neste artigo.
Com essa realidade em vista, é muito importante que qualquer médico conheça a tuberculose pulmonar, suas manifestações clínicas, diagnóstico e tratamento.
O Bacilo de Koch
Mycobacterium tuberculosis, o chamado bacilo de Koch, é o principal agente etiológico da tuberculose. Por ser uma micobactéria, apresenta características especiais que o diferenciam de outros patógenos e influenciam diretamente a fisiopatologia e o tratamento da doença.
A maior parte das características especiais dessa bactéria se encontram na sua parede celular, que é rica em lipídeos, o que a torna hidrofóbica e resistente a muitos desinfetantes, antibióticos comuns e corantes.
Quando coradas, não podem ser descoradas por soluções ácidas, o que lhes garante o título de “bacilo álcool-ácido resistente” (BAAR). A configuração da parede é, também, responsável por seu crescimento lento, o que dificulta o diagnóstico microbiológico, já que o tempo de crescimento da espécie em cultura demora muito mais do que outras bactérias.
A parede celular é semelhante à das bactérias gram positivas, com uma membrana plasmática interna recoberta por camada mais fina de peptidoglicana sem membrana externa.
Entretanto, a presença de proteínas e lipídeos em diferentes combinações torna a estrutura da parede mais complexa. Um componente importante é a lipoarabinomanana (LAM), que se assemelha ao antígeno O de outras bactérias.
A arabinogalactana também compõe a parede, sendo alvo de alguns antibióticos usados para o tratamento dessa bactéria. A principal estrutura da parede, no entanto, que é característica do grupo das micobactérias, são os ácidos micólicos, que também são alvo da ação de alguns antibióticos.
Os ácidos micólicos garantem proteção e resistência à bactéria, permitindo que penetre e sobreviva dentro de macrófagos.
A imagem abaixo representa a parede celular das micobactérias.
Como acontece a transmissão da tuberculose?
A tuberculose é transmitida pela via aérea, a partir da eliminação de bacilos por indivíduos infectados. Vale ressaltar que apenas pacientes com a doença ativa nos pulmões ou laringe podem eliminar bacilos, de modo que as outras formas de tuberculose (óssea, meníngea etc) não são capazes de transmitir na ausência de doença pulmonar ativa.
Mesmo assim, não são todos os pacientes com TB pulmonar que transmitem o bacilo, mas apenas aqueles com uma carga suficientemente grande a ponto de eliminá-los pelas vias aéreas.
Os pacientes chamados bacilíferos são aqueles que apresentam positividade na baciloscopia no escarro, tendo, portanto, maior capacidade de transmissão. No entanto, indivíduos com positividade em outros métodos também podem ser transmissores.
A transmissão se dá pela eliminação de aerossóis produzidos pela fala, tosse, ou espirro. As gotículas eliminadas secam no ambiente, se transformando em partículas muito pequenas, que ficam suspensas no ar por horas, e têm a capacidade de ultrapassar as barreiras das vias aéreas superiores e chegar aos alvéolos pulmonares.
Para que ocorra infecção de contactantes, de modo geral, é necessário que haja um contato mais próximo e prolongado. Vale ressaltar que, com o início do tratamento recomendado, a infectividade diminui significativamente em pouco tempo. Considera-se que, após 15 dias de tratamento, o indivíduo doente deixe de transmitir o bacilo.
Qual é a fisiopatologia da Tuberculose?
Conforme dito anteriormente, o sítio primário de infecção do bacilo é o alvéolo pulmonar, onde ocorre a primoinfecção. Na maioria dos indivíduos, a replicação do bacilo nos alvéolos é controlada pelo sistema imune, com a formação de um granuloma que permanece latente durante anos.
Cerca de 90 a 95% das pessoas conseguem obter esse controle após o primeiro contato do bacilo e podem passar a vida inteira dessa forma sem nunca apresentar a doença.
Entretanto, alguns pacientes podem apresentar a forma ativa da doença. Essa evolução pode ocorrer a partir da primoinfecção, o que não é muito comum em indivíduos imunocompetentes, ou, então, a partir da reativação de um foco latente, o que, normalmente, está relacionado à queda da imunidade celular, que é o que contém a replicação do bacilo.
Pode ainda ocorrer evolução para doença ativa a partir de uma reinfecção de um indivíduo já na forma latente. Esta última forma é mais comum em locais onde a circulação do bacilo é muito elevada, de forma que o indivíduo fica constantemente exposto à infecção.
O principal fator relacionado à forma ativa da tuberculose é a imunossupressão. Pacientes portadores de HIV que não estejam recebendo TARV de maneira adequada apresentam risco de 10% ao ano de desenvolver doença ativa.
Outras condições associadas ao maior risco de TB ativa são o tabagismo, diabetes, neoplasias, doença renal crônica e uso de imunossupressores.
Quais são os sinais e sintomas da Tuberculose?
O quadro clínico clássico da tuberculose pulmonar é de tosse persistente, seca ou produtiva, febre vespertina, sudorese noturna e emagrecimento. A descrição clássica para suspeita diagnóstica é de uma tosse que dura mais do que 3 semanas. Dependendo da forma clínica da doença pulmonar, um sintoma ou outro podem prevalecer.
Na forma primária, isto é, aquela que se desenvolve a partir da primoinfecção, mais comum, portanto, em crianças (fase da vida em que mais acontece a primoinfecção, em locais endêmicos), o quadro é mais insidioso, marcado por irritabilidade, febre baixa, sudorese noturna e inapetência. A tosse pode não estar presente e o exame físico pode ser pouco expressivo.
Na forma secundária (ou pós-primária), que acontece com a reativação da infecção latente, que acomete todas as idades, sendo mais comum em adultos jovens, o quadro é caracterizado por tosse seca ou produtiva, podendo vir acompanhada da eliminação de sangue (hemoptoicos).
A febre vespertina, sudorese noturna e anorexia acompanham a tosse. Ao exame, encontra-se um paciente consumido e ausculta pulmonar com murmúrios vesiculares diminuídos, podendo apresentar sopro anfórico. Importante lembrar que o exame físico também também pode ser inocente.
A forma miliar é, na verdade, referente ao aspecto radiográfico da forma grave da doença pulmonar que pode acontecer tanto na primária quanto na secundária, e é mais frequente em pacientes imunocomprometidos.
Nesses casos, o exame físico pode mostrar manifestações sistêmicas, como hepatomegalia, alterações do sistema nervoso central e alterações cutâneas do tipo eritemato-máculo-pápulo-vesiculosas.
Como é feito o Diagnóstico da Tuberculose?
O diagnóstico da tuberculose envolve uma série de exames e se inicia a partir do encontro de um caso de sintomático respiratório com tosse persistente por mais de 3 semanas. Os principais exames complementares usados para o diagnóstico da TB são os seguintes:
- Baciloscopia direta (BAAR)
A pesquisa do bacilo álcool-ácido resistente (BAAR), pelo método de Ziehl-Neelsen, a partir do escarro, é capaz de diagnosticar 60 a 80% dos casos, desde que seja executada a técnica correta de coleta do material.
Esse método pode ser usado tanto para investigação em pacientes sintomáticos respiratórios ou com suspeita clínica ou radiológica, quanto para controle de cura nos casos confirmados.
- Teste rápido molecular para Tuberculose (TRM-TB)
Também conhecido como GeneXpertⓇ, esse teste se baseia na detecção do DNA do bacilo pela técnica de PCR (reação em cadeia da polimerase), em tempo real. O teste permite entrega do resultado em 2h a partir de uma amostra única de escarro. A sensibilidade é de 90%.
Outra vantagem do TRM-TB é a possibilidade de triar cepas resistentes à Rifampicina, uma das principais drogas usadas no esquema básico para o tratamento da TB, com sensibilidade de 95%.
- Cultura para micobactérias e teste de sensibilidade
A cultura é um método de elevada sensibilidade e especificidade, sendo capaz de diagnosticar tuberculose em até 30% dos casos em que a baciloscopia é negativa. O material usado é, também, o escarro.
Uma vantagem da cultura é a possibilidade de confirmar a espécie de micobactéria causadora do quadro, assim como verificar seu perfil de sensibilidade aos principais fármacos empregados para o tratamento.
A principal desvantagem da cultura para diagnóstico da tuberculose é o tempo necessário para a obtenção de resultados, que pode ser de 14 a 30 dias, para meios sólidos, podendo se estender para até 8 semanas, ou 5 a 12 dias, para meios líquidos, podendo se estender para 42 dias, para confirmar um resultado negativo.
- Radiografia de tórax
A radiografia simples de tórax é o principal exame de imagem realizado nos pacientes suspeitos de tuberculose. Deve ser realizado em associação aos exames laboratoriais citados anteriormente.
É útil para, além de auxiliar no diagnóstico, avaliar a extensão do comprometimento, descartar outros diagnósticos e possibilitar acompanhamento evolutivo.
As alterações sugestivas de tuberculose ativa são cavidades, nódulos, consolidações, massas, processo intersticial (miliar), derrame pleural e alargamento de mediastino.
Podem ser observadas imagens sugestivas de lesões cicatriciais (sequelas), como bandas, retrações parenquimatosas e calcificações.
- Tomografia computadorizada de tórax
A TC de tórax está indicada quando a radiografia simples não demonstra alterações e para diferenciar TB de outras doenças do tórax, especialmente em imunodeprimidos.
Os achados sugestivos de doença ativa são cavidades de paredes espessas, nódulos, nódulos centrolobulares de distribuição segmentar, nódulos centrolobulares confluentes, consolidações, espessamento de paredes brônquicas, aspecto de “árvore em brotamento”, massas e bronquiectasias.
Da mesma forma, achados sugestivos de lesão cicatricial são bandas, nódulos calcificados, cavidades de paredes finas, bronquiectasias de tração e espessamento pleural.
- Histopatológico
A biópsia com avaliação histológica de fragmento de tecido é útil na investigação das formas pulmonares que se apresentam radiologicamente como doença difusa e nas formas extrapulmonares. O achado mais característico por esse método é o de granuloma com necrose de caseificação.
- Adenosina Deaminase (ADA)
Um exame menos difundido do que os anteriores, a dosagem da ADA, uma enzima expressa em linfócitos ativados, em fluidos corporais (principalmente o pleural) é útil para corroborar o diagnóstico de TB ativa, se associada a outras informações clínicas e laboratoriais.
E a prova tuberculínica?
A prova tuberculínica (também conhecida como PPD) é usada para o diagnóstico da infecção latente por Mycobacterium tuberculosis em adultos, podendo auxiliar no diagnóstico da doença ativa em crianças.
O teste consiste em realizar um inóculo intradérmico de um derivado proteico da bactéria e medir a resposta imune celular aos antígenos. Infecções por outras micobactérias ou aplicação da vacina BCG (especialmente se após o primeiro ano de vida) podem gerar resultados falso-positivos.
O resultado vem a partir da medida, em milímetros, da enduração provocada pela reação. Considera-se um indivíduo infectado pelo bacilo se ele apresentar leitura > 5 mm.
Para profissionais da saúde, o ideal é realizar o exame na admissão ao serviço de saúde, sendo que, resultado < 10 mm deve ser reavaliado em 1 a 3 semanas e resultado > 10 mm descarta doença ativa.
Caso o resultado < 10 mm permaneça assim na repetição, o teste deve ser novamente realizado em 12 meses, para avaliar uma possível infecção do profissional da saúde no ambiente de trabalho ao longo desse tempo.
Como é feito o tratamento da Tuberculose?
Conforme já vimos, o bacilo causador da tuberculose apresenta inúmeros mecanismos adaptativos que lhe conferem proteção contra ameaças e garantem sua sobrevivência no organismo.
Assim, o tratamento sempre envolve uma combinação de drogas, mesmo para tratar as cepas multissensíveis. Cada droga tem uma função no tratamento e o sinergismo entre elas é o que garante o sucesso terapêutico.
Atualmente, 4 antimicrobianos são usados em conjunto para o tratamento básico da tuberculose pulmonar. Os esquemas terapêuticos para tuberculose foram evoluindo ao longo dos anos até ser como é hoje.
Muitas drogas que já foram usadas foram abandonadas, seja por menor eficiência ou por muitos efeitos colaterais. As drogas atualmente utilizadas no esquema básico são Rifampicina, Isoniazida, Pirazinamida e Etambutol.
Os esquema básico (EB) de tratamento é chamado de RIPE e é dividido em duas fases: a fase de ataque (ou intensiva), que consiste nos 2 primeiros meses, com as 4 drogas em associação, e a fase de manutenção, com apenas Rifampicina e Isoniazida, pelos 4 meses seguintes, totalizando 6 meses de tratamento.
A fase de ataque visa reduzir rapidamente a população bacilar e eliminar os bacilos com resistência natural a algum medicamento, sendo o principal para conter a doença clínica e evitar a transmissão para outros indivíduos.
A fase de manutenção procura eliminar osbacilos latentes ou persistentes e a redução da possibilidade de recidiva da doença, envolvendo drogas capazes de neutralizar as diferentes populações bacilares.
No caso de uma falha terapêutica ou intolerância a alguma(s) das drogas usadas no esquema básico, pode ser necessário substituí-lo por esquemas especiais. Existem esquemas especiais para TB resistente ao esquema básico e para casos de intolerância ao EB.
A duração mínima do tratamento é de 6 meses, conforme aplicado no EB. Porém, esse tempo, normalmente, se torna maior quando há necessidade de esquemas especiais. Vale ressaltar que as formas extrapulmonares, muitas vezes, exigem esquemas específicos, mais demorados também.
Para se evitar a emergência de cepas resistentes e otimizar o tempo de tratamento, é importante investir no aumento da adesão ao tratamento, que é dificultada sobretudo pelo fato de ser muito longo e o paciente já se sentir melhor logo nas primeiras semanas de tratamento.
Como pode ser feita a prevenção da Tuberculose?
Como a circulação do bacilo da tuberculose está intimamente relacionada a ambientes com baixo índice socioeconômico, com grandes aglomerados populacionais e condições não ideais de higiene e saneamento, parte fundamental do enfrentamento à doença se dá por meio de políticas públicas voltadas para essa questão.
A busca ativa de casos sintomáticos respiratórios (tosse > 3 semanas) com adequado e precoce diagnóstico e tratamento é fundamental para a contenção da disseminação do bacilo, uma vez que a transmissão decorre do contato de indivíduos infectados que eliminam aerossois com o bacilo com indivíduos susceptíveis.
A vacinação com a BCG (Bacilo Calmette-Guérin) foi incorporada nos programas de imunização de países endêmicos, tendo um impacto significativo na redução da mortalidade infantil por tuberculose. A vacina está indicada para crianças de 0 a 4 anos 11 meses e 29 dias.
Vale ressaltar que o objetivo da vacina não é conferir imunidade total ao bacilo, mas sim evitar formas graves, como TB miliar e meníngea na criança. Não é eficaz para indivíduos já infectados e também não protege da reativação ou reinfecção.
A adesão ao tratamento também é fundamental para interromper a cadeia de transmissão e a emergência de TB multirresistente.
A metodologia do tratamento diretamente observado (TDO), preconizada pela OMS, é aplicada no Brasil e consiste na observação por um agente comunitário de saúde da tomada correta da medicação pelo paciente, seja em casa, ou na unidade de saúde.
Conclusão
A tuberculose é uma doença milenar, com registros históricos antes de Cristo que ainda confere significativo desafio à saúde pública. Os grandes avanços na contenção da doença têm gerado resultados, mas ainda há um grande caminho para percorrer.
Se quiser obter mais informações sobre o manejo da Tuberculose, pode consultar o Manual de recomendações para o controle da tuiberculose no Brasil (2019), disponível aqui.