Você provavelmente já ouviu falar do famoso método de Gram, certo? Esse é um dos principais métodos disponíveis para diferenciação de espécies bacterianas isoladas, a partir de materiais biológicos do paciente potencialmente infectado.
Mas como esse método é realizado? E como interpretar os possíveis resultados?
Por que usar o método de Gram?
O método de Gram foi desenvolvido por um médico dinamarquês chamado Hans Christian Joachim Gram, em 1884, e é, até hoje, uma das etapas iniciais para a análise de espécimes clínicos.
Esse método permite classificar as bactérias em dois grandes grupos, baseado na coloração que adquirem após todas as etapas da técnica: o das bactérias Gram positivas e das Gram negativas.
Essa identificação preliminar é útil para orientar o tratamento do paciente, enquanto são aguardados os resultados finais das culturas.
Como é feita a técnica de Gram?
O estudo começa com o tratamento da amostra com um corante primário, que é o Cristal Violeta, que, como o nome sugere, colore as bactérias em um tom arroxeado.
A amostra, então, passa por uma primeira etapa de lavagem com água destilada e, em seguida, é adicionado um fixador, que normalmente é o Iodo ou Lugol. A função do fixador é formar um complexo insolúvel em água com o corante primário.
Até aqui, tanto as bactérias Gram positivas, quanto Gram negativas, são coradas pelo corante primário, que é fixado pelo Iodo.
Em seguida, após mais uma etapa de lavagem com água destilada, a amostra é submetida a um descolorante ou diferenciador, que, normalmente, é o álcool ou a acetona.
Nessa etapa, o complexo cristal violeta-iodo permanece preso na parede celular de Gram positivos, mas é perdido da parede celular de Gram negativos, que, nesse momento, perdem sua cor.
Após nova lavagem com água destilada, é adicionado o contracorante, que normalmente é a Safranina.
O contracorante colore as Gram negativas com um tom avermelhado ou rosa escuro, porém não afeta as Gram positivas, que permanecem com o tom arroxeado. Isso acontece pois a Safranina é menos densa que o complexo Cristal Violeta-Iodo.
Após essas etapas, deve-se lavar uma última vez com água destilada, secar e observar a amostra ao microscópio.
Como resultado, observam-se as bactérias Gram positivas coradas de roxo, devido ao corante Cristal Violeta, e as Gram negativas coradas de vermelho, devido ao contracorante Safranina.
Por que Gram positivos se coram diferentemente de Gram negativos?
A coloração no método de Gram é dependente da ligação dos corantes às camadas de Peptideoglicano presentes na parede celular das bactérias.
Essa camada de peptideoglicano consiste numa cadeia de dissacarídeos entrelaçada por pontes peptídicas, formando uma cobertura rígida para a bactéria.
A parede celular das Gram positivas possui uma espessa camada de peptideoglicano, enquanto a parede das Gram negativas apresenta uma membrana fosfolipídica externa e uma fina camada de peptideoglicano, no espaço periplásmico, entre a membrana externa e a membrana celular.
Após as fases de coloração com o corante primário e fixação, o complexo Cristal Violeta-Iodo se forma no citoplasma de ambos os tipos de bactérias.
Porém, na fase de diferenciação, após a administração do álcool ou acetona, a parede das Gram positivas é desidratada, e os poros da espessa camada de peptideoglicano são estreitados, o que aprisiona o complexo com o corante no interior dessas bactérias.
Já com as Gram negativas, após a aplicação do diferenciador, a membrana externa, de natureza fosfolipídica, é dissolvida, e a fina camada de peptideoglicano da parede celular não é capaz de reter o complexo, levando à perda da cor pela bactéria.
O contracorante Safranina colore as Gram negativas e confere a cor final que essas bactérias vão apresentar ao microscópio.
Principais Gram positivos de importância clínica
Saber se um paciente está colonizado por uma bactéria Gram positiva ou Gram negativa é importante pois pode orientar a escolha de antimicrobianos para o seu tratamento, já que esses dois grupos bacterianos apresentam perfis de sensibilidade e mecanismos de resistência bem diferentes.
Os principais gêneros bacterianos de Gram positivos são os cocos Streptococcus sp., Staphylococcus sp. e Enterococcus sp.
Alguns bacilos Gram positivos também podem ter relevância em alguns cenários, como os gêneros Corynebacterium sp. e Listeria sp.
Gram positivos costumam ser sensíveis a drogas das classes das penicilinas ou cefalosporinas. Algumas cepas resistentes podem exigir o emprego de drogas como Vancomicina, Linezolida e Daptomicina, que não apresentam qualquer atividade contra Gram negativos.
Alguns antibióticos não apresentam nenhum efeito sobre Gram positivas, como é o caso das Polimixinas e dos Aminoglicosídeos.
Principais Gram negativos de importância clínica
Da parte dos Gram negativos, os principais representantes são as bactérias da família Enterobacteriaceae, isto é, as enterobactérias, que incluem gêneros como Escherichia, Klebsiella, Enterobacter, Proteus, Providencia, entre muitos outros.
Um grupo bem especial de Gram negativos são os chamados Não fermentadores, que inclui bactérias como Pseudomonas aeruginosa e Acinetobacter baumannii,que, normalmente, apresentam mecanismos de resistência bem especiais.
Alguns antibióticos são mais usados para tratar Gram negativos, como é o caso das Fluoroquinolonas e cepas mais resistentes podem exigir o uso de Carbapenêmicos, que, apesar de serem β-lactâmicos, são mais usados no contexto de Gram negativos multirresistentes, além das Polimixinas e dos Aminoglicosídeos, já citados.
Alguns antibióticos de muito amplo espectro, como a Tigeciclina, podem ser usados tanto no contexto de Gram negativos quanto Gram positivos, inclusive multirresistentes.
E se a bactéria não se corar?
Existem algumas espécies bacterianas que se coram muito mal pelo método de Gram, como é o caso de Treponema pallidum, a espiroqueta causadora da sífilis, pois possui um corpo muito fino, o que dificulta sua visualização e caracterização ao microscópio óptico.
Há um outro grupo de bactérias que não apresentam parede celular e, portanto, não podem ser bem caracterizados pelo método de Gram. É o caso dos gêneros Chlamydia, Chlamydophilae Mycoplasma.
Algumas dessas bactérias são também chamadas de atípicas (especialmente quando se fala em pneumonia por agentes atípicos).
Existem bactérias que não se coram pelo método de Gram que são conhecidos como Bacilos Álcool Ácido Resistentes (BAAR). É o caso das micobactérias, sendo seu principal representante Mycobacterium tuberculosis, causador da Tuberculose.
Esse fenômeno acontece pois a parede celular dessas bactérias é diferenciada e, quando corada, não pode ser descorada por soluções ácidas (daí o termo BAAR), o que compromete o processo de identificação. Para identificar essa bactérias, deve ser usado o método de Ziehl-Neelsen.
Conclusão
Agora que você já sabe como é feito o método de Gram, como interpretar os seus resultados e como eles podem contribuir para sua conduta, já está mais preparado para tomar decisões mais acertadas em antibioticoterapia.
Não se esqueça que o método de Gram é apenas mais uma ferramenta, dentre muitas outras, que podem ser usadas no processo de diagnóstico microbiológico.
Conhecer as condutas corretas para pesquisar os diversos tipos de infecção que o paciente pode apresentar é fundamental para garantir o seu melhor tratamento.