A morte encefálica é uma condição que você vai se deparar com certa frequência dentro de uma unidade de terapia intensiva. Entretanto, seu diagnóstico não é simples, uma vez que, mesmo apresentando morte encefálica, o paciente pode manter sinais vitais estáveis e funcionalidade orgânica preservada, quando em suporte invasivo. Por isso, este diagnóstico deve ser realizado de acordo com aquilo que é preconizado, para que não hajam erros e complicações, muitas vezes legais.
No Brasil, o Conselho Federal de Medicina é responsável pelas definições quanto o diagnóstico e confirmação diante de uma suspeita de morte encefálica. A primeira resolução que discorre sobre a morte encefálica é do ano de 1997, resolução CFM No 1.480/97, assim como a lei 9.434/97. Em 2017, houve algumas mudanças apresentadas pelo decreto presidencial 9175/17 e a resolução CFM 2173/17 em alguns pontos específicos da conduta quanto ao diagnóstico deste quadro, facilitando sua realização. Aqui, hoje, discutiremos de forma completa como fazê-lo.
A morte encefálica é um estado clínico irreversível em que as funções cerebrais e de tronco encefálico estão irremediavelmente comprometidas. Com o advento da ventilação mecânica, a partir da década de 50, houve uma possibilidade de intensificação dos cuidados e aumento de sobrevida entre os pacientes graves. Entretanto, foi possível manter outras funções vitais preservadas, mesmo na ausência de atividade neuronal, para aqueles pacientes que tiveram uma lesão de sistema nervoso. A parada cardíaca e a cessão dois movimentos respiratórios deixaram de ser as únicas causas de morte nos pacientes. Assim, era preciso que se padronizasse uma maneira de diagnosticar corretamente uma morte encefálica, evitando que pacientes em evento tivessem uma interrupção de seus cuidados intensivos, como uma forma de distanásia.
Primeiramente, para se abrir um protocolo de morte encefálica, é preciso que tenhamos um paciente em coma não perceptível. Uma vez tida a suspeita, o paciente precisa preencher alguns pré-requisitos para que se instaure um protocolo de morte encefálica. É preciso que seja determinado um estado de coma por causa de morte encefálica irreversível e conhecida. São exemplos de causas irreversíveis de morte encefálica:
- Causa vascular (isquêmica ou hemorrágica)
- Traumatismo crânio-encefálico
- Tumores intracranianos
- Encefalopatia anóxica
O paciente ainda precisa ter um tempo mínimo de observação hospitalar de pelo menos 6 horas. Para aquelas causas que forem do tipo hipóxico-isquêmica, este tempo de observação deve ser de pelo menos 24 horas. O paciente deve se apresentar com uma Escala de Coma de Glasgow de 3 pontos, ou seja o paciente não apresenta resposta verbal, ocular ou motora frente a qualquer estímulo. Lembre-se sempre de que a pontuação mínima na escala de coma de Glasgow é de 1 para cada função avaliada, ou seja, nunca teremos uma pontuação 0, mas sim um mínimo de 3 pontos. Para o diagnóstico de morte encefálica, o paciente também não deve apresentar movimentos respiratórios espontâneos. Além disso, é importante que ele não esteja sob o efeito de sedativos ou bloqueadores neuromusculares, pois estes podem atrapalhar a avaliação neurológica, subestimando-a. Por isso, essas drogas devem ter sua fusão interrompida pelo menos 12 horas antes da avaliação neurológica. Caso o paciente esteja em uso de barbitúricos, devido à distribuição e meia vida destes fármacos, o tempo necessário para depuração é de 24 horas. Lembre-se sempre de que alterações na função hepática e renal podem alterar o tempo de depuração das drogas, necessitando de períodos mais prolongados para cessão de seus efeitos. Intoxicações exógenas também não indicam abertura do protocolo.
Além disso, é importante que o paciente não se apresente com hipotermia, ou seja, sua temperatura corporal deve ser maior do que 35 °C, bem como paciente não deve ter outros tipos de distúrbios metabólicos graves. Como critérios objetivos, ele deve manter uma saturação periférica de oxigênio capilar maior do que 94%, bem como uma pressão sistólica maior que 100 mmHg uma PAM (pressão arterial média) maior do que 65 mmHg. Isso se dá pois esses distúrbios podem representar causas reversíveis de rebaixamento de nível de consciência, sendo, então, o fator confundidor no diagnóstico de morte encefálica. Ou distúrbio metabólico importante, com repercussão no sistema nervoso central, podendo causar rebaixamento do nível de consciência, são os distúrbios do sódio. Tanto a hiponatremia quanto a hipernatremia podem ser fatores confundidores, principalmente quando esses valores são inferiores a 120 ou superiores a 170 mEq/L. Choque refratário com acidose metabólica grave e altos níveis de lactato sérico também não indicam a abertura do protocolo.
Conhecidos os pré-requisitos para se iniciar um protocolo de morte encefálica, precisamos avaliar se nosso paciente apresenta todos os critérios. Caso ele não os apresente, devemos corrigir aqueles distúrbios metabólicos reversíveis, bem como suspender sedativos e bloqueadores neuromusculares, respeitando seus tempos de reavaliação. Caso o paciente apresente todos os critérios citados, dá-se início ao protocolo de morte encefálica. Sendo assim, de acordo com a lei que rege os princípios do diagnóstico da morte encefálica, é preciso que a família seja informada ainda frente a suspeita e início da abertura do protocolo, bem como deve ser feito uma notificação de suspeita de morte encefálica. Seu diagnóstico tem caráter de urgência.
O protocolo de morte encefálica exige que sejam feitas as seguintes propedêuticas:
- Dois exames clínicos
- Um teste da apneia
- Pelo menos um exame complementar
Não há necessariamente uma ordem a ser seguida.Geralmente, é feito um primeiro exame clínico e, então, o teste da apneia pode ser realizado por qualquer um dos médicos. O diagnóstico de morte encefálica é primordialmente clínico, portanto, avaliação médica deve confirmar o estado de coma não perceptível. Dentro da análise semiótica, deve-se buscar a presença de reflexos de tronco. Os reflexos a serem pesquisados são:
- Fotomotor
- Corneopalpebral
- Oculocefálico
- Vestíbulo-calórico
- Tosse
O intervalo de tempo entre as duas avaliações médicas varia de acordo com a idade do paciente. Aqueles pacientes entre 7 dias de vida a dois meses em completos devem ter um intervalo entre as avaliações de 24 horas. Entre 2 meses a 2 anos incompleto,s o intervalo é de 12 horas e, para aqueles acima de 2 anos de idade, o intervalo entre as avaliações deve ser de 1 hora pelo menos. Em 2017, uma resolução do CFM alterou as condições para o exame clínico quanto a especialidade do profissional que deve realizá-lo. O exame deve ser feito por dois médicos diferentes, sendo um deles intensivista, neurologista, neurocirurgião ou emergencista e o outro deve ter pelo menos um ano de experiência com coma ou deve ter realizado/participado de pelo menos 10 diagnósticos de morte encefálica.
Deve ser performado um teste que demonstre ausência de movimento respiratório. Este teste é conhecido como teste da apneia e consiste na manutenção da ausência de drive respiratório na presença de hipercapnia, PaCO2 superior a 55 mmHg, quando positivo. Caso haja situações clínicas que levem a ausência de movimentos respiratórios, como causas extracranianas ou farmacológicas, o teste da apneia deve ser formado apenas após a reversão destas.
Além dos exames clínicos e do teste da apneia, são necessários métodos complementares gráficos que demonstrem ausência de atividade encefálica. Os testes que podem ser performados para esta avaliação são:
- Angiografia cerebral
- Eletroencefalograma
- Doppler transcraniano
- Cintilografia cerebral
Após a performance de dois exames clínicos, um teste da apneia positivo e exame complementar indicando ausência de atividade encefálica, dá-se o diagnóstico de morte encefálica e o paciente é legalmente declarado morto. O horário da morte é definido pelo último exame realizado na investigação diagnóstica. Então, deve ser preenchido o termo de declaração de morte encefálica, que deve ser enviado ao órgão responsável, e todos os dados devem ser relatados em prontuário. Com o diagnóstico já comprovado, este deve ser explicado, para a família, que deve ter todas as suas dúvidas esclarecidas. Caso o paciente seja um potencial doador de órgãos, uma equipe responsável deverá entrevistar a família quanto à possibilidade de doação. Se for da vontade da família aprovar a doação, deve ser mantido suporte ao doador de órgãos até o momento da captação. Para aqueles casos em que há contra indicação para doação ou que a família se negue, o suporte avançado de vida deve ser suspenso, conforme previsto na Resolução do Conselho Federal de Medicina n.1826 de 24 de outubro de 2007.
Pronto, agora você já conhece quais são os principais critérios para se definir uma morte encefálica e como proceder frente a ela. Assim, seu plantão no CTI/UTI ou na emergência se tornará mais fácil de ser conduzido.