Introdução
Você muito provavelmente já ouviu falar nesta manobra: a manobra de Rivero Carvallo. Extremamente usada por médicos, estudantes de Medicina e outros profissionais, com o objetivo de diferenciar se aquele sopro percebido durante à ausculta do paciente é um sopro de uma insuficiência tricúspide (condição que permite o retorno de sangue do ventrículo direito para o átrio direito, durante a sístole cardíaca) ou de uma insuficiência mitral (que é o retorno do sangue de maneira anormal do ventrículo esquerdo para o átrio esquerdo, também durante a sístole cardíaca). Além disso, a manobra é utilizada para esclarecer se o som auscultado trata-se de um desdobramento fisiológico ou patológico da 2ª bulha, principalmente no foco pulmonar. Mas você já parou para pensar em quem foi Rivero Carvallo e como o seu nome foi parar em uma manobra semiológica?! Ao final deste artigo, você conhecerá um pouquinho mais sobre sua trajetória e contribuição com a Medicina no Brasil e no mundo.
Insuficiência tricúspide
A insuficiência tricúspide é uma alteração que acomete a válvula tricúspide, e raramente é encontrada isoladamente, sendo mais frequente a sua associação com outras condições clínicas. Grande parte das insuficiências que possuem a válvula tricúspide como origem é decorrente da dilatação do anel tricúspide, em consequência da dilatação do ventrículo direito, na maioria das vezes, em decorrência de alterações na válvula mitral concomitantemente.
Ela decorre principalmente da insuficiência no fechamento do folheto da válvula tricúspide. Com isso, o sangue irá ser regurgitado para o átrio direito novamente. Ela pode ser chamada de insuficiência tricúspide orgânica, quando está associada a uma estenose dessa mesma válvula, ou pode ser uma insuficiência tricúspide funcional, quando ocorre de consequências da insuficiência ventricular direita, ocasionada pela hipertensão pulmonar, e quem, por sua vez, ocorre com mais frequência.
O paciente com essa condição clínica apresenta alguns sinais e sintomas característicos, como, por exemplo, a hipertrofia do ventrículo direito (pelo aumento do aporte sanguíneo nesta região) e um sopro sistólico (presente em toda a sístole) com frequência elevadíssima, audível com mais intensidade quando auscultado no foco tricúspide. Esse sopro aumenta ainda mais de intensidade quando realizada a manobra de Rivero-Carvallo. Em casos mais graves, podemos encontrar ainda uma pulsação hepática sistólica, que é uma pulsação hepática associada ao refluxo de sangue. Na radiografia de tórax, quando solicitada, poderemos encontrar um aumento do átrio direito, em consequência de um alargamento do ventrículo direito desse paciente. Enquanto que no eletrocardiograma (ECG), sinais de sobrecarga ventricular direita e atrial direita se mostram em evidência.
A manobra de Rivero Carvallo
Antes de mais nada, como a manobra é feita? Devemos colocar o paciente em questão deitado em decúbito dorsal e posicionar o estetoscópio no foco tricúspide, principalmente. Pediremos para o paciente realizar uma inspiração profunda e, ao mesmo tempo em que ele realiza a inspiração, iremos auscultar atentamente o sopro dele. Caso não seja observada nenhuma alteração na intensidade do sopro cardíaco, ou até mesmo se ele diminuir a sua intensidade, dizemos que a manobra de Rivero Carvallo foi negativa. Logo, aquele sopro que você está ouvindo é uma irradiação de um sopro proveniente da válvula mitral. Agora, se a medida que o paciente realiza uma inspiração profunda aquele sopro tiver a sua intensidade aumentada, nós vamos dizer que a manobra de Rivero Carvallo é positiva. Logo, o sopro é proveniente da válvula tricúspide!
Por que isso ocorre? Quando o paciente inspira, ele provoca um aumento da pressão negativa dentro da sua caixa torácica, e isso também irá aumentar o aporte de sangue que está chegando no lado direito do coração desse indivíduo. Como o paciente tem uma insuficiência, o sangue retorna ao átrio durante a sístole. Se tem mais sangue chegando ao ventrículo direito, mais sangue estará retornando ao átrio quando a sístole estiver ocorrendo, aumentando, assim, a intensidade do sopro à ausculta.
Biografia
José Manuel Rivero Carvallo foi um médico mexicano, nascido no dia 1 de abril de 1905, em Tehuacan. Concluiu a faculdade de Medicina em uma universidade na cidade natal, terminando seus estudos graças a uma bolsa concedida pelo estado de Paris, na França, aonde se tornou médico colonial, isso no ano de 1928. Em 1930, concluiu a sua especialização em malária e também se tornou especialista em medicina colonial alguns meses depois. Seu doutorado, também em Paris, teve como tese a “Pressão artística sobre os passeios da anestesia e em algumas intervenções cirúrgicas” e foi concluído em 1932, na Universidade de Sorbonne. Ainda na França, Rivero Carvallo iniciou os estudos do eletrocardiograma e aplicou esse método na medicina francesa. Além disso, introduziu o registro do pulso jugular no diagnóstico de doenças, cardiológicas ou não, e no tratamento dos indivíduos que procuravam a assistência médica.
No ano de 1934, José Manuel retorna ao México, trazendo na bagagem amplos conhecimentos adquiridos na França. E, após validar o diploma dos cursos realizados por lá, conseguiu um emprego no Hospital Geral de Tehuacan, e foi conciliando a medicina clínica com a científica que cresceu e fez seu nome como semiólogo. Em 1944, se tornou chefe do serviço de Cardiologia, após fundar o Instituto Nacional de Cardiologia. Na chefia, permaneceu por 27 anos, comandando a equipe médica do hospital e contribuindo com suas pesquisas para o crescimento científico do serviço. Ao mesmo tempo, deu entrada no magistério, quando ocupou o cargo de professor de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UNAM.
Porém, foi em 1946 que seu trabalho sobre as insuficiências tricúspides foi capaz de revolucionar a semiologia médica. Nessa época, José Manuel Rivero Carvallo anunciou um tipo de sinal que ajudava na diferenciação do sopro de insuficiência tricúspide de um sopro de insuficiência mitral, sopro este que aumentava de intensidade com a inspiração profunda do paciente. Além de constatar essa manobra, ele também evidenciou que mais da metade dos pacientes que possuíam insuficiência tricúspide apresentavam esse sinal positivo, chegando até 75% de todos os casos da doença. José Manuel constatou que esses sopros não só aumentavam a sua intensidade, mas também possuíam os seus murmúrios reforçados, apresentando-se como um jato de vapor, dito por ele. A manobra ter um resultado positivo ou não também não estava relacionada com o ritmo cardíaco do paciente, ou seja, eram variáveis independentes umas das outras, visto que essa manobra poderia ser encontrada com resultado positivo em outras condições clínicas, como por exemplo na fibrilação atrial.
Esses achados foram importantes, pois a partir daí, apenas com os achados semiológicos do exame físico de um paciente acometido com a insuficiência tricúspide, os médicos conseguiriam identificar a causa da lesão antes de ocorrer algum comprometimento sistêmico, melhorando o prognóstico desses indivíduos.
Além desses achados, Rivero-Carvallo também contribuiu de outras maneiras com a Medicina, através da produção e publicação de outros artigos sobre a insuficiência tricúspide, como por exemplo o artigo que produziu em 1950, que demonstrava a relação de sua manobra com a estenose tricúspide.
Após tantas contribuições para com a Medicina, seja pela descrição da manobra que levou o seu nome como epônimo, a manobra de Rivero Carvallo, ou pela gama de produções literárias que foram carimbadas com seu nome, José Manuel faleceu em 1993, deixando sua marca registrada pelos locais aonde passou. Cabe lembrar que, na medicina mexicana, a sua manobra foi a única em que se permitiu a utilização de epônimos, e este fato foi aceito e reconhecido pelo sistema de saúde do México.
Para se aprofundar no tema das síndromes cardiovasculares, separamos uma videoaula:
- Conceitos da Semiologia Orovalvar – http://bit.ly/2ZWbjgF