Hemissecção medular. Brown-Séquard. Esses certamente são nomes que podem fazer o estudante de medicina tremer na base. Na verdade, as síndromes neurológicas como um todo podem parecer confusas. Mas não há razão para tal preocupação, pois, se analisadas com calma e da maneira correta, a maioria delas é bem lógica e isso não é diferente para a hemissecção medular, uma síndrome que certamente irá aparecer em alguma prova ao longo da sua formação e, quem sabe, na sua prática como médico.
Que tal encarar o medo e entender, de uma vez por todas, a síndrome de Brown-Séquard?
Ressuscitando a anatomia
Para entender o mecanismo e os achados clínicos dessa síndrome, precisamos recapitular alguns conceitos da anatomia da medula. A medula espinhal contém um conjunto de neurônios que carregam informações do cérebro e tronco encefálico para a periferia (fibras eferentes) e outras que fazem o sentido contrário (fibras aferentes). Essas fibras constituem os tratos que conduzem as vias medulares.
O principal trato eferente é o trato corticoespinhal, que conduz os estímulos originados no giro pré-central, localizado no lobo frontal, na área motora primária até os nervos periféricos que, por sua vez, estimulam a musculatura, promovendo movimento. O trato corticoespinhal é, portanto, responsável pela motricidade voluntária.
Um dos principais tratos aferentes é o trato espinotalâmico, que é, na verdade, composto por uma porção anterior e outra lateral. O trato espinotalâmico anterior conduz estímulos de tato protopático (tato grosseiro, não discriminativo) e pressão detectados por receptores da periferia, e o trato espinotalâmico lateral conduz estímulos de temperatura e dor. Por isso, de maneira generalizada, diz-se que essa via é a responsável pela sensibilidade superficial. Na verdade, existem linhas que consideram a sensibilidade pressórica como uma forma de sensibilidade profunda, porém, para fins didáticos, ela será agrupada com as outras formas de sensibilidade superficial, no nosso estudo.
O outro trato aferente de extrema relevância para esta síndrome é formado pelos fascículos grácil e cuneiforme, que ocupam o cordão posterior da medula. Essas vias conduzem informações de propriocepção consciente, que é a noção da posição e deslocamento dos membros sem o auxílio da visão, de sensibilidade vibratória e do tato epicrítico (tato fino, discriminativo). A essas vias se atribui, genericamente, a responsabilidade pela sensibilidade profunda.
Temos, então, três principais vias que são afetadas na síndrome de Brown-Séquard: o trato corticoespinhal (motricidade voluntária), os tratos espinotalâmicos (sensibilidade superficial) e o cordão posterior (sensibilidade profunda). Vamos agora à pergunta que mais causa ansiedade nessa história:
Mas quem cruza e quem não cruza?
As fibras de alguns desses tratos seguem ipsilateralmente, isto é, pelo mesmo lado em que se originaram, em todo seu trajeto entre a medula e tronco cerebral ou o cérebro, porém as fibras de outros cruzam para o lado oposto ao longo do caminho, seguindo contralateralmente em relação ao seu ponto de origem.
O trato corticoespinhal se origina nos neurônios do córtex motor primário e segue até o tronco cerebral, onde cruza para o lado oposto, na decussação das pirâmides, na altura do bulbo, conduzindo o estímulo para a musculatura do lado oposto ao córtex cerebral do qual se originou. Portanto, o trato corticoespinhal lesado na hemissecção medular se originou no lado do cérebro oposto à lesão.
Na verdade, 90% das fibras do trato corticoespinhal (o trato corticoespinhal lateral) realizam esse trajeto cruzado pela decussação das pirâmides, enquanto 10% das fibras, que compõem o trato corticoespinhal anterior, não cruzam e seguem ipsilateralmente. Porém, na prática, as manifestações clínicas decorrem principalmente pela lesão cruzada do corticoespinhal lateral, então assumiremos que essa via é cruzada.
As fibras dos tratos espinotalâmicos cruzam pela comissura branca da medula assim que nela penetram, seguindo pelo lado contralateral à sua origem até chegar ao tálamo, no cérebro. Logo, as fibras lesadas na síndrome que estamos estudando são representativas da sensibilidade superficial do lado oposto do corpo.
As fibras do cordão posterior seguem ipsilateralmente desde sua origem até fazer sinapse no tronco cerebral. Desse modo, a lesão dessas vias de um lado compromete a sensibilidade profunda do mesmo lado.
Agora que já reconhecemos a anatomia das vias medulares envolvidas na síndrome de Brown-Séquard, vamos entender suas manifestações clínicas.
Manifestações clínicas
Vale lembrar que a hemissecção medular consiste na interrupção dos tratos de apenas um lado da medula, o que pode ocorrer por lesões por projétil de arma de fogo ou por arma branca. Para melhor visualizar o quadro clínico da hemissecção medular vamos tomar como exemplo uma lesão no lado direito da medula.
No nosso exemplo, o trato corticoespinhal do lado direito foi lesionado, o que interrompe o fluxo dos estímulos motores oriundos do lado esquerdo do córtex que se destinavam à musculatura do lado direito, mas já cruzaram antes de entrar na medula. Portanto, o lado paralisado é o mesmo lado do trato lesionado. Logo, a hemissecção medular causa paralisia espástica IPSILATERAL à lesão.
No caso do espinotalâmico, o trato do lado direito, que foi lesionado, carrega as informações sensitivas captadas no dimídio esquerdo do corpo. Desse modo, a hemissecção causa perda da sensibilidade térmica, dolorosa, pressórica e do tato protopático CONTRALATERAIS à lesão.
Por fim, como os fascículos grácil e cuneiforme não cruzam em seu trajeto pelo cordão posterior, a secção do lado direito prejudica a função do mesmo lado. Com isso concluímos que Brown-Séquard causa perda da sensibilidade protopática, vibratória e do tato epicrítico IPSILATERALMENTE à lesão.
Resumindo
A síndrome de Brown-Séquard se caracteriza por paralisia espástica e perda da sensibilidade profunda ipsilateralmente e perda da sensibilidade superficial contralateralmente à lesão.
Viu como não é difícil? Para garantir que não fiquem dúvidas, a tabela abaixo sintetiza todas as informações que discutimos nesse artigo.
Sempre que tiver dificuldade em entender alguma síndrome neurológica, pense na neuroanatomia envolvida e a compreensão se tornará mais fácil. Bons estudos!
Muito boa a revisão.
Mais o menos, meio incompleta…
Conta para a gente, Julia… O que você achou incompleta? :/