Hoje vamos falar do stress e da relação com a nossa pele. Ih… você vai me dizer: “Quem não está estressado hoje em dia? Vamos primeiro definir o estresse. Não vamos falar daquele estresse que nos faz bem, que nos induz a uma resposta cognitiva, emocional, comportamental e fisiológica para se adaptar a uma situação de mudança; mas sim daquele estresse negativo, que nos leva a uma sensação desagradável ou insuportável de aflição, impossibilitando a nossa adaptação. Esse estresse negativo, recorrente ou contínuo, pode levar à preocupação, à ansiedade e à depressão, com consequências importantes para nosso organismo. E há duas doenças classicamente associadas ao estresse que vamos conversar hoje: a psoríase e a dermatite atópica.
A nossa resposta fisiológica ao estresse envolve o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA), o sistema nervoso autônomo e o sistema imunológico. Num primeiro momento, o sistema nervoso autônomo é ativado pela identificação do estressor, causando a liberação de adrenalina e noradrenalina pela medula da supra-renal através do nervo vago. Num segundo momento, a ativação do eixo HHA leva à liberação de hormônio liberador de corticotrofina (CRH) pelo hipotálamo, seguido pelo ACTH da hipófise e por último, de glicocorticoides (GC) da supra-renal, que vai atuar no eixo gonadal, no tecido adiposo e no sistema imunológico. A secreção de glicocorticoides é controlada por um feedback negativo do eixo HHA para evitar a exaustão do organismo.
Só que o estresse crônico suprime esse feedback negativo do eixo HHA, levando a níveis elevados de CRH e GC. A nossa pele parece desempenhar um papel equivalente ao do eixo HHA. As células dendríticas da pele são ativadas pelo estresse, levando à liberação de neuromediadores e catecolaminas através das terminações nervosas, contribuindo para a exacerbação das doenças dermatológicas. O hormônio liberador de corticotrofina (CRH) é sintetizado também na pele e causa a ativação dos mastócitos e aumento da permeabilidade vascular, com um papel importante na inflamação cutânea. O estresse ainda pode intervir na permeabilidade da barreira cutânea, mantendo a inflamação e retardando o processo de cicatrização da ferida cutânea; pode inibir a síntese de lipídios epidérmicos, levando ao aumento na proliferação de queratinócitos, aumento de substância P e ativação de linfócitos.
As citocinas secretadas na psoríase (TNF-alfa e interleucinas 1 e 6) inibem a síntese de serotonina e aumentam a produção de CRH, o que pode explicar os transtornos depressivos e a predisposição ao estresse. Há estudos que demonstraram o aumento da expressão do receptor para CRH em placas de psoríase e outros mostrando aumento do cortisol salivar nesses pacientes, sugerindo a implicação do eixo HHA. Claro que nem todos os estudos conseguiram incriminar o estresse, mas onde a relação foi positiva teve maior importância nas mulheres e nos pacientes com psoríase articular. Nas mulheres pode estar relacionado ao maior impacto da doença sobre a imagem corporal e a autoestima.
Os eventos estressantes estão relacionados ao início da psoríase e às exacerbações. Os eventos estressantes relatados foram problemas financeiros, morte de pessoas próximas, problemas sexuais, conflitos familiares, doença ou acidente, mudança de condições de trabalho, insucesso de exame, desemprego ou doença de pessoa próxima e casamento. O tempo entre o evento estressante e a doença variou de dias até meses. Essa informação é verdadeira também para crianças e adolescentes com psoríase, podendo os estigmas da doença levar a um ciclo vicioso de estresse durante a infância e adolescência. Entretanto, não foi estabelecida uma relação entre a intensidade do estresse e a gravidade da psoríase. Os pacientes com psoríase que sofrem de estresse têm uma tendência a superestimar a gravidade de sua doença e possuem placas de psoríase em áreas mais visíveis. Parece também que a psoríase tem um impacto maior na vida diária e no bem estar desses pacientes, com predomínio de sentimentos de culpa, medo e depressão.
Uma parte muito importante do estresse é causada pela opinião das outras pessoas, como a reação da família e de amigos, a discriminação na vida cotidiana, principalmente relacionado à falta de compreensão da doença. O paciente se sente excluído, rejeitado, com impacto nas suas atividades físicas, sexuais, no relacionamento interpessoal e profissional. Muitos acabam escondendo as áreas do corpo com lesões e evitando atividades que possam expor as lesões para se adaptar. E também é provável que o estresse tenha impacto na eficácia dos tratamentos e vários estudos mostram uma melhor resposta quando o tratamento da psoríase é associado ao tratamento da ansiedade ou a medidas não farmacológicas de controle do estresse, como meditação, relaxamento, psicoterapia.
A dermatite atópica (DA) parece também sofrer influência de problemas emocionais e comportamentais das crianças. O prurido que faz parte da dermatose contribui para a irritabilidade e a falta de concentração. Estudos na psoríase mostram que eventos negativos podem diminuir substancialmente o limiar de percepção do prurido e a maneira como é percebido, o que pode ser semelhante na DA. As crianças de idade pré-escolar com DA têm maior dificuldade de adaptação e isso se relaciona à gravidade da DA. Crianças mais velhas podem ter comportamentos mais internalizantes (como medo, tristeza ou retraimento social) ou de externalização, como não cooperativo ou agressivo. Há aumento do risco de transtorno de déficit de atenção, depressão, ansiedade e transtorno de conduta, principalmente nos pacientes com DA grave e/ou com condições atópicas concomitantes; e parece persistir mesmo quando a DA entra em remissão.
Há algumas hipóteses que tentam explicar a ligação entre os problemas comportamentais e a dermatite atópica, como um aumento da sensibilidade perceptiva, principalmente a tátil; o aumento de citocinas pró-inflamatórias que poderia levar aos transtornos de depressão, ansiedade e autismo; e a mais na moda, que implica os distúrbios do sono e o prurido crônico como principais contribuintes para as alterações comportamentais. Um dado interessante é que o sono interrompido pode persistir mesmo quando a DA é bem controlada e os sintomas são mínimos, talvez não sendo diretamente causado pelo prurido noturno.
Concluindo, não podemos ver apenas a “pele”, precisamos ouvir o paciente, entender como a sua dermatose pode afetar completamente sua rotina, suas atividades e suas relações sociais e familiares. Isso pode ser a diferença para um tratamento bem sucedido e para uma boa relação médico-paciente.
Beijos queridos!
Até a próxima.