A verificação da pressão arterial fora do consultório pode ser útil para confirmação e para o tratamento da hipertensão arterial sistêmica (HAS). Nesse caso, a monitorização residencial da pressão arterial (MRPA) é um método destinado a fazer registro da PA fora do ambiente de consultório (seja pelo próprio paciente, seja por outra pessoa capacitada para tal) durante o período de vigília, com equipamento validado e calibrado e por um determinado período de tempo, obedecendo a um protocolo previamente estabelecido e normatizado. Diferencia-se da automedida da pressão arterial (AMPA), a qual, por sua vez, não obedece a nenhum protocolo preestabelecido, sendo as medidas realizadas aleatoriamente e feitas por decisão do próprio paciente ou a pedido do médico.
Nesse sentido, embora a MAPA (monitorização ambulatorial da pressão arterial) seja geralmente aceita como o melhor método a ser realizado para se obter uma curva representativa das variações pressóricas em determinado período e oferece uma visão dinâmica do comportamento tensional de forma confiável, a MRPA é geralmente uma abordagem mais viável na prática clínica. No entanto, dentre os indivíduos portadores de HAS, percebe- se, em diversos casos, a vigência de inconsistências no que concerne ao registro das medidas de pressão arterial realizadas em ambiente domiciliar. Devido a isso, a necessidade de destinar maior atenção à orientação sobre as leituras obtidas no contexto da monitorização residencial da pressão impõe- se.
Sendo assim, ao se optar pela realização da MRPA, é importante garantir que o dispositivo de medição da PA seja confiável e que o as aferições sejam realizadas de forma adequada. Em geral, percebe- se que as relações precisas entre as leituras do consultório, a MAPA e a MRPA são instáveis, mas há concordância de que os as medidas obtidas no consultório são frequentemente mais altas do que as obtidas em domicílio, por meio de MRPA.
Quais são os procedimentos adequados para a coleta de dados da MRPA?
Para a realização de MRPA, o treinamento do paciente deve ocorrer sob supervisão médica, incluindo informações sobre hipertensão arterial sistêmica (HAS), sobre a seleção de equipamentos e sobre a interpretação de resultados. Deve- se também verificar o uso do tamanho apropriado do manguito para se ajustar ao braço. Outra iniciativa importante é a de verificar se as diferenças entre os braços esquerda / direita são de fato insignificantes e, caso as diferenças sejam significativas, deve- se instruir o paciente a medir a pressão arterial no braço com leituras mais altas ou, se possível, idealmente nos dois braços.
Em relação aos dispositivos, é essencial que se verifique o uso de dispositivos automatizados validados e confiáveis. Segundo o último guideline da AHA, o uso de dispositivos auscultatórios (mercúrio, aneroid, ou outro) geralmente não é muito útil para a MRPA, porque os pacientes raramente dominam a técnica necessária para medir a pressão arterial com dispositivos auscultatórios, o que predispõe a muitos erros. Portanto, quando possível, os monitores com provisão para armazenamento de leituras na memória são os preferidos.
Quais são as instruções gerais sobre procedimentos da monitorização residencial da pressão arterial (MRPA)?
As instruções são, de maneira geral, as mesmas recomendadas para a realização da aferição da pressão arterial pelos profissionais de saúde, a nível ambulatorial. No entanto, nesse caso, o médico deve assegurar que o paciente compreendeu corretamente as instruções e reforçar cada detalhe. É necessário orientar a esse paciente que ele deve permanecer imóvel durante todo o período de aferição, bem como evitar o tabagismo, evitar a ingestão de bebidas com cafeína e não realizar atividade física por, pelo menos, trinta minutos antes da realização da aferição da PA. Além disso, deve- se manter o repouso por pelo menos cinco minutos de antes do momento de verificação da PA.
É preciso também orientar ao paciente a sentar- se corretamente, com as costas retas e apoiadas em algum encosto/ suporte, os pés sobre o chão e as pernas descruzadas. O braço deve ser mantido em uma superfície plana, situando- se ao nível do coração e a parte inferior do manguito deve ser colocada diretamente acima da fossa antecubital. Adicionalmente, é recomendado que sejam tomadas ao menos 2 leituras com intervalo entre elas de ao menos 1 minuto, sendo a primeira idealmente realizada no turno da manhã, antes de tomar os medicamentos e a segunda no período da noite, de preferência antes do jantar.
Protocolo para realização do exame segundo a quarta Diretriz de Monitorização Residencial Da Pressão Arterial, da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC)
Devemos ter em mente que existem diferentes protocolos para a MRPA, recomendados em diretrizes ou por especialistas no assunto, não havendo, portanto, consenso sobre o emprego de um deles especificamente. O mais importante e crucial é compreendermos que o protocolo, independentemente de seus detalhes e de suas diferenças, tem por objetivo representar a pressão arterial usual do paciente e ter, no seu resultado, aplicação clínica, auxiliando o médico na tomada de decisões.
Vale mencionar que há também inúmeras divergências nos estudos analisados em relação ao número de medidas que devem ser realizadas a cada dia. Alguns defendem a realização de uma única medida pela manhã, enquanto outros defendem a realização de uma, duas, ou três medidas pela manhã e à noite. Ainda, alguns médicos recomendam o acompanhamento por um período de 3 a 7 dias consecutivos após a visita de consultório, em caso de necessidade de avaliação da evolução inicial de hipertensão, ou da mudança de droga e/ou alteração da dose terapêutica. Portanto, o protocolo para a realização da MRPA deverá ser baseado nas premissas discutidas nos estudos recentes, sendo aceitas várias opções.
Nesse caso, vamos mencionar as recomendações gerais segundo a “ Quarta Diretriz de Monitorização Residencial Da Pressão Arterial, da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) ” :
• Horário das medidas da PA: é recomendada a realização das medidas da PA em dois momentos, tanto pela manhã, quanto ao entardecer/anoitecer;
• Número de medidas: devem ser realizadas três medidas pela manhã e três medidas ao entardecer/ anoitecer, com intervalos idealmente de um minuto entre as medidas;
• Exclusão de medidas: neste protocolo, teremos idealmente 24 medidas válidas, considerado como padrão mínimo de qualidade o registro de, pelo menos, 14 medidas válidas, distribuídas entre os vários dias de exame. Devem ser excluídas medidas discrepantes, tais como PAD > 140 mmHg e < 40 mmHg, PAS < 70 mmHg e > 250 mmHg, assim como pressão de pulso < 20 mmHg ou > 100 mmHg, desde que não exista justificativa clínica para preservá-las no conjunto de medidas obtidas;
• Período de verificação: o período de verificação sugerido é de, no mínimo, cinco dias;
• Primeiro dia: no primeiro dia, temos as medidas do consultório e as medidas à noite realizadas em domicílio. As medidas do primeiro dia devem ser excluídas; porém, as medidas da clínica devem ser utilizadas para avaliação da reação de alarme.
Aplicações da monitorização residencial da pressão arterial
A monitorização da pressão arterial possui diversas aplicabilidades. Dentre elas, as principais são o estabelecimento do comportamento da pressão arterial, a avaliação do porgnóstico de pacientes com hipertensão arterial sistêmica e a avaliação da terapêutica anti-hipertensiva.
- A utilização da MRPA para o estabelecimento do comportamento da pressão arterial
A MRPA é superior à medida de pressão arterial casual do consultório para avaliar o comportamento da PA. Isso porque, com a monitorização residencial, as variações dia a dia da PA podem ser avaliadas, permitindo também estabelecer separadamente as medidas do período matinal e do entardecer/anoitecer.
- A utilização da MRPA para a avaliação do prognóstico de pacientes com hipertensão arterial sistêmica
Atualmente, há dados populacionais consistentes sobre o valor preditivo de eventos cardiovasculares em relação aos dados obtidos por MRPA, baseados em 9 grandes estudos populacionais prospectivos que avaliaram no total quase 40 mil indivíduos. Nesse ínterim, diversos estudos mostraram que o registro da pressão arterial pela MRPA auxilia na avaliação do prognóstico de eventos cardiovasculares, tendo, na maioria deles, melhor correlação com os eventos do que as medidas de consultório.
Evidências também mostraram que MRPA pode refletir as lesões de órgãos-alvo com confiabilidade semelhante à MAPA; inclusive, existem demonstrações de que a variabilidade dia a dia da PA detectada pela MRPA tem valor preditivo de risco de doenças cerebrovasculares e cardiovasculares. Além disso, em algumas populações especificas, a MRPA também mostrou melhor valor preditivo que a medida de consultório para eventos cardiovasculares, como demonstrado em idosos e em pacientes com doença renal.
- A utilização da MRPA na avaliação do tratamento anti-hipertensivo
A MRPA apresenta importante vantagem em relação às medidas do consultório, dentre as quais, uma das indicações da MRPA é para o acompanhamento em longo prazo de hipertensos em tratamento. Em geral, percebe- se que o emprego da MRPA resulta, geralmente, em uso de menor quantidade de drogas do que a empregada em pacientes controlados apenas com medida de PA de consultório, sendo possível, também, que esteja relacionada a efeito na adesão ao tratamento. Dessa forma, a detecção nos níveis tensionais tem o potencial de evitar tratamentos desnecessários, de avaliar os eventuais efeitos colaterais e de reduzir os custos com cuidados de saúde.
Além desses casos, a MRPA pode ser útil em populações casos especiais, como em pacientes idosos, portadores de diabetes melitus (DM), portadores de doença renal cronica (DRC), no caso de crianças e de adolescentes, em gestantes, bem como para os pacientes com obesidade.
O surgimento dos aparelhos automáticos e a facilidade para medição da pressão arterial em ambiente domiciliar
Para a monitorização da pressão arterial em ambiente domiciliar, o advento dos aparelhos automáticos representou grande ganho e facilitou bastante o registro das pressões pelo paciente. Isso porque o esfigmomanômetro manual requer que outra pessoa meça a pressão do doente, o que geralmente é um problema, principalmente quando no caso de idosos que moram sozinhos ou apenas com uma outra pessoa também idosa.
Diante desse cenário, os aparelhos de pressão automáticos e digitais ganharam popularidade no final dos anos 1990 e início dos anos 2000. Sua grande vantagem nesse contexto é o fato de permitirem que o paciente meça a própria pressão arterial várias vezes por dia, sem necessitar da ajuda de outras pessoas. Além disso, o procedimento realizado por meio de aparelhos automáticos torna- se muito mais simples, pois basta que o paciente assuma a posição adequada, coloque o aparelho em torno do braço e pressione o botão de comando para que a pressão seja medida. Simples assim: em questão de segundos, o resultado aparecerá no monitor.
De maneira geral, observa- se, portato, uma tendência mundial de abandono do esfigmomanômetro de mercúrio, acompanhada pelo aumento do uso de dispositivos automatizados, o que se dá não apenas devido à poluição causada pelo metal, mas também devido à facilidade de manuseio dos aparelhos automatizados (os quais promovem uma maior participação dos indivíduos hipertensos no controle de sua própria pressão arterial e na adesão ao tratamento). No entanto, é essencial que o profissional de saúde domine as técnicas envolvidas no processo de aferição da PA, para ambos os tipos de aparelhos.
Além disso, devemos ter em mente o fato de que nem tudo é sempre perfeito. Apesar de serem extremamente práticos, os aparelhos digitais, se não forem de boa qualidade, podem fornecer resultados não muito confiáveis. Por isso, é recomendável sempre averiguar se o aparelho digital, possui o selo do INMETRO e foi aprovado pela Sociedade Brasileira de Cardiologia.