Muitas vezes nos deparamos com infecções de diversos tipos em doentes críticos na terapia intensiva, o que torna o tratamento mais difícil e com peculiaridades importantes. Certamente o laboratório do seu hospital já deve ter procurado a sua equipe para informar que a hemocultura colhida a alguns dias está com crescimento de um fungo chamado candida… Ah… mas ai é fácil, basta iniciar um antifúngico de alta cobertura e esperar tudo se acertar, certo?
Infelizmente, não é tão simples assim, a candidemia requer um olhar cuidadoso, tanto para as complicações quanto para o tratamento.
Com a colaboração da Dra. Luana Machado e nosso jovem professor Felipe Barreto, A #DicaJaleko de hoje é um guia simples de como manejar os doentes com candidemia.
Tratamento da Candidemia e Candidíase Invasiva
Introdução
Candidemia se refere à presença de Candida no plasma sanguíneo, sendo a manifestação mais comum da candidíase invasiva. Presença de Candida em hemocultura nunca deve ser visto como contaminação e sempre deve levar à procura da fonte infecciosa da corrente sanguínea. Para muitos pacientes, candidemia é uma manifestação de doença invasiva que pode ter se originado em uma variedade de órgãos, para outros, é originada de um cateter intravenoso infectado. Se não tratada a mortalidade chega aos 60%. Com tratamento, pode decair a aproximadamente 30, 40%. O atraso no início da administração pode aumentar a mortalidade.
Suspeita-se de espécies resistentes em casos de uso prévio de antifúngicos, neutropênicos e imunocomprometidos.
Epidemiologia
Candida albicans é o principal fungo causador de candidemia. Porém, tem havido um aumento no isolamento de espécies de Candida não-albicans nos últimos anos, como C. glabrata, C. parapsilosis, C. tropicalis e C. krusei. A importância prática desse dado é que a C. krusei é naturalmente resistente ao fluconazol algumas espécies de C. glabrata são resistentes a fluconazol, e a C. parapsilosis tem uma concentração mínima inibitória (MIC) maior para as equinocandinas disponíveis.
Principais espécies de Candida
C. albicans
A incidência de C. albicans resistente permanece baixa. Estudos recentes mostram resistência entre 0,3 e 2 por cento dos casos geralmente ocorre em pacientes imunossuprimidos que fazem uso do fluconazol cronicamente para a profilaxia. A maioria das C. albicans são suscetíveis às equinocandinas, embora resistência já tenha sido relatada. E na grande maioria dos casos são suscetíveis a anfotericina B.
C. krusei
É intrinsecamente resistente ao fluconazol devido a uma isoenzima do citocromo P450 alterada. Voriconazol se liga mais eficazmente a isoenzima do citocromo P450 que o fluconazol, resultando em taxas mais elevadas de susceptibilidade. Existem diferenças geográficas na incidência de resistência voriconazol. Em um estudo de vigilância internacional, que incluiu cerca de 3500 C. krusei, a resistência ao voriconazol foi observada em 7,4% dos casos. As C. krusei isoladas foram suscetíveis as equinocandinas (Caspofungina, micafungina e anidulafungina). No entanto, casos individuais de resistência às equinocandinas foram relatadas. C. krusei demonstra diminuição da susceptibilidade à anfotericina B, requerendo doses mais elevadas (1 mg / kg por dia de deoxicolato de anfotericina B ou 5 mg / kg por dia de formulações à base de lípidos). É normalmente resistente à flucitosina.
C. glabrata
Em muitos casos são resistentes aos azóis, principalmente devido a mudanças no efluxo de fármacos. Este tipo de resistência pode, por vezes, ser ultrapassada pela utilização de doses mais elevadas de fluconazol, mas isto geralmente não é feito quando há infecção invasiva. Entre as espécies de Candida, possuem mais elevadas MICs para voriconazol. Quando são resistentes ao fluconazol, geralmente são resistentes ao voriconazol. As equinocandinas têm uma excelente atividade contra C. glabrata, mas a resistência a esta classe de antifúngicos parece estar aumentando. Há uma crescente preocupação de que alguma C. glabrata isolada com resistência a fluconazol e voriconazol também possa se tornar resistente às equinocandinas.
Anti-Fúngicos
Equinocandinas
Fazem parte a caspofungina, anidulafungina e micafungina. São inibidores da síntese do Beta-Glicano, correspondente do Peptídio-Glicano presente na parede celular das bactérias. Por isso são chamadas de “penicilina anti-fúngica”, em alusão ao mesmo mecanismo de ação.
Existem poucos casos de resistência a equinocandinas, sendo efetivas na maioria das espécies de Candida. De modo que são o tratamento de escolha quando se identifica ou suspeita de C. glabrata ou C. krusei e em pacientes tratados previamente com azóis.
Azóis
Fazem parte o fluconazol, voriconazol e itraconazol. Reduzem a síntese de um componente vital da membrana plasmática a partir da inibição de uma enzima dependente do citocromo P450. O fluconazol possui um perfil de segurança ótimo, boa biodisponibilidade podendo ser usado pela via oral, barato, transformando-o na principal forma de tratamento para candidemia.
Possuem muita interação medicamentosa com outros remédios que interferem no complexo citocromo 450, sendo preferidos as equinocandinas nesses casos.
Vale lembrar que o itraconazol não é indicado para micoses sistêmicas.
Anfotericina B
Possuem dois tipos: A deoxicolato e a lipossoamal. Dificultam a organização da parede celular fúngica, predispondo ao aparecimento de poros e extravasamento de líquido intracelular. A deoxicolato está associada nefrotoxicidade, de modo que atualmente, prefere-se a anfotericina B lipossomal. Porém, seu uso contínuo restrito a cepas resistentes a outras classes de antifúngicos devido à ainda presente nefrotoxidade e alto custo do medicamento.
Tratamento
Os anti-fúngicos mais utilizados para o tratamento de candidemia são as equinocandinas (caspofungina, micafungina, anidulafungina) e fluconazol. As formulações de anfotericina B são administradas com menor frequência, devido a maior toxicidade.
Toda candidemia deve ser tratada com drogas anti-fúngicas, ainda que o cateter venoso profundo seja retirado. Essa recomendação advém dos inúmeros estudos que demonstram o aumento da mortalidade em pacientes com candidemia que são tratados somente com remoção do cateter, não associado ao início de anti-fúngico.
Deve-se realizar coleta de material para cultura periodicamente, a fim de descobrir a data de erradicação do fungo. A partir desta, faz-se mais 2 semanas de tratamento: se o paciente não tem mais sintomas, nem se mantém neutropênico, pode-se encerrar o tratamento.
Medicamentoso
Pacientes Neutropênicos
Usa-se de primeira escolha equinocandinas ou anfotericina B lipossomal (porém esse regime apresenta maior toxicidade.
O uso de fluconazol deve ser restrito à pacientes estáveis que não fizeram uso prévio de azóis.
Pacientes Não-Neutropênicos
Usa-se de primeira escolha equinocandinas.
O Fluconazol pode ser usado como um agente alternativo em pacientes que não estão criticamente enfermos e que são improváveis de ter uma cândida resistente ao fluconazol, como C. glabrata or C. krusei.
Anfotericina B lipossomal é uma alternativa se houver intolerância, disponibilidade limitada ou resistência aos outros antifúngicos.
Não-Medicamentoso
Avaliação Oftalmológica
Independente da presença de sinais e sintomas oftalmológicos, a presença de endoftalmíte deve ser sempre pesquisada, através de uma fundoscopia.
Remoção de Cateter Venoso Central
A candidemia se resolve mais rapidamente e as taxas de mortalidade são menores com a retirada precoce do cateter. Por isso, orienta-se a retirada do cateter em pacientes não neutropênicos, e a avaliação dos prós e contras da retirada em pacientes neutropênicos.
Fator estimulador de colônias de granulócitos (G-CSF)
Pode ser considerado como uma terapia adjuvante nos casos de candidemia persistente com neutropenia prolongada, uma vez que neutropenia persistente está associada à um risco aumentado de falha no tratamento. No entanto, seu o benefício não foi claramente estabelecido.
Terapia Anti-Fúngica Empírica
A Sociedade Americana de Doenças Infecciosas recomenda que a terapia antifúngica seja considerada em pacientes enfermos, que possuem fatores de risco para candidíase invasiva (acesso venoso central, nutrição parenteral, hemodiálise, trauma, antibióticos de largo espectro, cirurgia recente) e que apresentam febre persistente sem outra causa atribuível.
Deve-se ser administrado uma equinocandina, ou fluconazol (em pacientes que não fizeram uso prévio de azóis ou são colonizados por patógenos suscetíveis).
Profilaxia em Pacientes em Internados em CTI
Ainda não há um consenso. Porém, acredita-se que a profilaxia com antifúngicos deva ser instituída em pacientes com fatores de risco (os mesmos mencionados acima) internados em leito de unidade intensiva devido à grande mortalidade desses casos.
ESQUEÇA TUDO, MENOS ISSO!!! |
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-> Candidemia deve sempre ser tratada de forma medicamentosa
-> A retirada do cateter venoso profundo é de extrema importância, mas somente a retirada não é suficiente. Deve ser associado ao início do anti-fúngico
-> Fluconazol em pacientes não neutropênicos, estáveis, sem fator de risco para espécies de cândida resistente.
-> Para a terapia empírica em pacientes de UTI, é recomendada uma equinocandina.
-> O tratamento deve ser continuado por mais 14 dias após hemocultura negativa.