Introdução
Medicina é uma arte e realmente temos que ter uma mente muito aberta para entender certas doenças e seus tratamentos pouco usuais.
Sabemos que nos últimos 10 anos estamos presenciando cada vez mais infecções causadas por uma bactéria extremamente interessante, Clostridium Difficile. Já ouviu falar nela?
Provavelmente já viu um doente crítico no CTI com uma suspeita de diarréia causada por esse agente, mas quando nos aprofundamos sobre o assunto, vemos o quanto é diferente o mecanismo de agressão e o tratamento preconizado.
A #DicaJaleko é um resumo elaborado pelas Dras. Luana Machado e Isabela Rodrigues Macedo que vai te ajudar a entender melhor a importância de saber diagnosticar e tratar esta infecção.
O Clostridium difficile é uma bactéria anaeróbia, um bacilo gram-positivo, formador de esporos, que produz toxinas, com transmissão fecal-oral entre humanos.
Patogênese e epidemiologia
O C. Difficile coloniza o intestino grosso e libera as toxinas TcdA e TcdB que, em pessoas suscetíveis, causa colite. A infecção é transmitida através de esporos, que são resistentes ao calor, ácido, e aos antibióticos. Os esporos da bactéria são abundantes em centros de saúde e são encontradas em níveis baixos no meio ambiente, funcionando tanto para transmissão nosocomial e quanto para a da comunidade.
A colonização é impedida pela função de barreira da microbiota intestinal; enfraquecimento dessa resistência pelo uso de antibióticos é o principal fator de risco para a doença. Além disso, idade avançada, quimioterapia e doença grave subjacente também contribuem para essa susceptibilidade . Os sintomas de colite não se desenvolvem em todos os indivíduos colonizados, como a maioria dos recém-nascidos que são colonizados por esse microorganismo mas são assintomáticos, possivelmente devido à falta de receptores de ligação à toxina no intestino infantil.
A diarreia é mediada pelas toxinas TcdA e TcdB, que inativam as guanosinas trifosfatases, membros da família Rho (GTPases Rho), levando à morte dos enterócitos, perda de função da barreira intestinal e colite neutrofílica. O clostidium em si é não-invasivo e uma infecção fora do cólon é extremamente rara. Os dois fatores que exercem uma grande influência em relação à expressão clínica da doença são a virulência da cepa infectante e a resposta imune do hospedeiro.
A colonização assintomática com C. Difficile toxigênico em lactentes estimula uma resposta imune que parece proteger contra a infecção sintomática mais tarde na vida. Altos títulos de IgG no soro para antitoxinas TcdA e TcdB estão associadas com colonização assintomática em pacientes hospitalizados expostos aos antibióticos.
Fatores de risco
O fator de risco mais importante para a infecção pelo C. Difficile continua sendo o uso de antibióticos. Ampicilina, amoxicilina, cefalosporinas, clindamicina e fluoroquinolonas são os antibióticos que são mais frequentemente associados com a doença, mas quase todos os antibióticos têm sido relacionados com a infecção. Paradoxalmente, muitos antibióticos mostraram alguma atividade in vitro contra o C. Difficile, incluindo metronidazol que tanto pode deflagrar a doença quanto tratá-la.
Em hospitais e instalações de cuidados de saúde, a contaminação ambiental e o uso freqüente de antibióticos são fatores de risco para a infecção, além disso, a severidade da infecção aumenta com o aumento da idade. Num estudo, o risco de contrair a infecção foi 10 vezes maior nos pacientes acima de 65 anos; A maioria das infecções por C. difficile é adquirida no hospital, porém a incidência de infecções comunitárias aumentou dramaticamente na última década.
Os principais modos de aquisição da infecção comunitária ainda não são conhecidos. E é definindo como comunitária a infecção que ocorre em pacientes que não permaneceram internados em unidade de saúde nas últimas 12 semanas prévias ao início da infecção.
Comparando à infecção hospitalar, a infecção adquirida na comunidade ocorre em pacientes mais jovens e que não tiveram clara exposição à antibióticos ou outros fatores de risco conhecidos; Além disso, os índices de morbimortalidade da infecção comunitária são inferiores aos associados com a infecção nosocomial. Porém, até 40% dos pacientes com infecção comunitária necessitam de hospitalização e os índices de recorrência são equivalentes entre ambos os tipos.
Teoricamente existe uma supressão pelo ácido gástrico permitindo organismos latentes atingirem o cólon. Entretanto, as estruturas responsáveis pela infectividade do C. difficile, os esporos, são resistentes à ação do ácido. Alguns estudiosos relataram um aumento do risco de infecção em associação com a supressão de ácido.
Outros fatores de risco documentados para a infecção incluem a idade avançada, doença inflamatória intestinal, transplante de órgãos , quimioterapia, doença renal crônica , imunodeficiência e contato com um portador infantil ou adulto infectado.
Diagnóstico
A infecção por C. difficille é diagnosticada por imunoensaio enzimático para detecção de toxinas nas fezes do paciente, sendo o mais usado, uma vez que é rápido e fácil de ser efetuado, ou testes baseados em DNA que identificam os genes das toxinas. A coprocultura requer cultura para anaeróbios mas não é amplamente disponível.
Os testes baseados em DNA parecem mostrar uma maior incidência de infecção que os testes anteriores devido à sua alta sensibilidade que permitem a detecção de baixos níveis de toxina mesmo em casos de pouca ou nenhuma repercussão clínica; entretanto, alguns estudos dizem que esta detecção precoce, não influencia nos resultados clínicos.
Por outro lado, testes diagnósticos heterogêneos (que detectam moléculas maiores) e paciente sem clinica suspeita tem contribuido para um diagnóstico tardio.
Os testes
Testes sequenciais usando PCR e imunoensaio enzimático tem sido defendidos. Entretanto, na prática clínica, em um paciente com diarreia, a positividade de qualquer um desses testes, PCR ou imunoensaio, indica tratamento imediato. Endoscopia raramente é indicada, exceto em casos de doença predisponente, como doença inflamatória intestinal. É importante ressaltar que tanto o teste por PCR quanto imunoensaio enzimático possuem alto valor preditivo negativo (mais de 95%), ou seja, um resultado negativo deve levar a investigação de outras causas.
Teste de fezes para toxinas do C. difficile deve ser direcionado a pacientes com diarreia. Como proporcionalmente a maioria dos pacientes hospitalizados é colonizado por C. difficile, fazer o teste e tratar pessoas com fezes sólidas não é recomendado . Do mesmo modo, testes de pós-tratamento não tem nenhum papel em confirmar a erradicação, uma vez que pacientes com sucesso de tratamento continuarão com testes positivos por semanas ou meses mesmo após término dos sintomas, nesses casos, um tratamento adicional não se faz necessário nem eficaz.
Mais difícil é a decisão de quando testar e tratar pacientes que têm diarreia contínua ou recorrente leve após tratamento inicial. Em tais pacientes, o teste das fezes pode ser útil na diferenciação de infecção recorrente por C. difficile de síndrome do intestino irritável pós-infecciosa ou doença inflamatória intestinal, que pode ser desencadeada por infecções entéricas agudas.
Prevenção
Na ausência de uma vacina eficaz , o controle da infecção baseou-se na administração de antibióticos, prevenção da propagação nas instalações de saúde e probióticos. Minimizar o uso de antibióticos tem gerado uma diminuição em infecções de pacientes hospitalizados. O C. Difficile é quase onipresente na área de saúde, esporos viáveis podem ser identificados em mãos, estetoscópios, na cama, em telefones, banheiros e em móveis de cabeceira. A higienização com álcool não reduz o número de esporos viáveis.
Apenas a lavagem com água e sabão o faz. Pacientes com conhecida ou suspeita infecção por esse patógeno devem ser isolados em uma única sala e os profissionais deve usar luvas e capotes e lavar as mãos com água e sabão.
Utilização de probióticos para prevenção da colonização por C. difficile poder ser uma segura e facilmente adotável estratégia. Várias estirpes de probióticos são eficazes para a prevenção da diarreia não infecciosa associada a antibióticos. Em contrapartida, nos casos de diarreia associada a antibióticos, o uso de probióticos para o controle da doença mostrou fraca potência. Atualmente sua utilização de rotina para a prevenção ou tratamento de infecção ativa não é recomendado.
Tratamento Infecção Aguda
Metronidazol e vancomicina oral têm sido os pilares do tratamento para infecção aguda e apesar de a sua utilização por milhões de pacientes, não foi relatada grande incidência de resistência. Para o tratamento dos casos graves, a vancomicina é superior ao metronidazol; já para infecção leve a moderada, os dois antibióticos têm sido considerados como equivalentes. Vale ressaltar que estudos mostraram sucesso clínico, ou seja, resolução da diarreia, superior nos casos tratados com vancomicina.
Estes fatores, juntamente com os efeitos adversos mais frequentes associados ao metronidazol e a diminuição dos custos da vancomicina genérica, têm levado ao uso crescente de vancomicina. A fidaxomicina é um macrolídeo com ação contra específicas bactérias gram-positivas anaeróbias. Os índices de cura foram equivalentes aos da vancomicina, mas os índices de recorrência foram menores nos casos de uso da fidaxomicina. E seu alto custo limita seu uso.
Tratamento Infecções Recorrentes
A recorrência é mais frequentemente devido à reexposição ou reativação de esporos em pacientes que têm uma resposta imune prejudicada à infecção e uma função de bareira da microbiota do cólon reduzida.
Tratamento com antibióticos
O tratamento do primeiro episódio de uma infecção por C. Diffícile com metronidazol ou vancomicina por 10 a 14 dias é bem sucedido em aproximadamente 50% dos casos. Já os quadros subsequentes são mais difíceis de serem tratados, tanto por que ainda persistem esporos nas fezes e no ambiente, quanto pelo fato de o paciente não conseguir criar uma resposta imune eficaz, sendo esses fatores mais importantes do que uma resistência aos antibióticos.
Segundos episódios podem ser tratados com fidaxomicina 200mg 2x\dia por 10 dias, ou vancomicina em um esquema de redução progressiva da dose ou em pulso intermitente. Após uma recorrência inicial, a fidaxomicina parece ser mais eficaz que a vancomicina em evitar recorrências futuras.
Portanto, para tratamento inicial a vancomicina diminui a recorrência. Uma vez já presente a recorrência, a fidaxomicina previne recorrências futuras.
Opções são limitadas para pacientes com colite grave nos quais a vancomicina e são fidaxomicina ineficazes. Colectomia de emergência para infecção fulminante está associada a mortalidade de 80%, embora uma ileostomia e lavagem do cólon com vancomicina possa ser uma alternativa eficaz.
Outros antibióticos que têm ação contra C. Difficile são rifaximina, nitazoxamine, tigeciclina, teicoplanina e ramoplanina.
Mas devido à falta de dados, altos custos, um perfil de consideráveis efeitos adversos e detecção de resistência do C. difficile (principalmente em relação à rifaximina), esses fármacos não são indicados, exceto em casos de efeitos adversos intoleráveis em resposta à terapia de 1ª linha, terapia em casos de doença fulminante em que não é possível a realização de cirurgia e infecção recorrente intratável.
Transplante de Microbiota
A colonização da microbiota humana funciona como uma resistência aos microorganismos patogênicos, uma queda da diversidade dessa microbiota se faz presente nos casos de exposição a antibióticos orais e perdura por meses. A retirada de todos os antibióticos é a melhor forma de eliminar o patógeno do intestino e reconstituir a flora intestinal de forma espontânea, fato este que demoraria 12 semanas ou mais. O transplante oral e retal de microbiota a partir de um paciente saudável e testado associado à retirada dos antibióticos são medidas de bons resultados no tratamento de infecções recorrentes.
Em 2013, os resultados de um estudo randomizado mostraram que a administração de vancomicina seguida de uma infusão de fezes de doadores pelo tubo nasoduodenal foi seguro e superior à vancomicina sozinha em infecções recorrentes por C. difficile. Só é aprovado para infecções recorrentes, e deverá ser testado o uso em infecções primárias graves.
Imunização
A imunização passiva com anticorpos monoclonais para toxinas do C. difficile fornece proteção substancial de recorrência após a infecção aguda e pode ser rentável em pacientes que estão em alto risco para recorrência.
Estudos indicam grande potencial na produção de vacina contra a infecção do C.difficile, mas todos ainda em andamento.