As Parasitoses Intestinais representam um problema de saúde pública mundial, de difícil solução. Têm alta prevalência em nosso país, principalmente na população pobre e em crianças, devido às precárias condições de saneamento básico, habitação e educação.
Abaixo, vamos falar resumidamente sobre as principais infecções parasitárias intestinais:
ASCARIDÍASE:
A ascaridíase é uma helmintíase causada pelo Ascaris lumbricoides. É o tipo mais comum de helmintíases transmitidas pelo solo.
Após a reprodução sexuada no hospedeiro, as formas adultas liberam ovos nas fezes que são eliminadas no ambiente. Dentro dos ovos, se desenvolvem as larvas que, após serem ingeridas, são capazes de penetrar ativamente a mucosa do trato gastrointestinal, ganhando a circulação venosa e alcançando os pulmões. Nos pulmões, as larvas passam por um processo de maturação e são posteriormente deglutidas junto com as secreções respiratórias, atingindo novamente o trato gastrointestinal, onde alcançam a forma adulta. A passagem das larvas pelo pulmão pode causar uma pneumonia eosinofílica, de início agudo. Esta fase pode levar à tosse seca, broncoespasmo e infiltrados pulmonares migratórios (Síndrome de Löffler – pode ocorrer também com Strongyloides stercoralis, Ancylostoma duodenale e Necator americanus).
Quadro Clínico, Diagnóstico e Tratamento:
O quadro clínico clássico é de oclusões ou suboclusões intestinais, principalmente em crianças. A queixa de visualização de “vermes” de aspecto filiforme nas fezes também pode lever à suspeita.
Obs: Esta mesma queixa pode levantar a suspeita de teníase, pois as proglótes grávidas possuem aspecto semelhante e movimentos espontâneos.
O diagnóstico é feito pelo exame de fezes pelos métodos de Faust e Hoffman, capazes de detectar as larvas deste parasita.
Os tratamentos recomendados pela Organização Mundial de Saúde consistem na medicação com albendazol 400mg dose única, mebendazol, levamisol ou pamoato de pirantel. Outros agentes eficazes incluem tribendimidina e nitazoxanida.
Nos quadros de oclusão ou sub-oclusão intestinal, os pacientes devem ser mantidos em dieta zero, administrado óleo mineral VO e piperazine. Isto causa paralisia flácida no parasita, facilitando sua eliminação através das fezes.
A prevenção é feita com a melhora das condições de saneamento, melhoria do acesso sanitário e o adequado escoamento das fezes. A lavagem das mãos com sabão protege contra a infecção.
ESTRONGILOIDÍASE:
A Estrongiloidíase ou Estrongiloidose é uma infecção intestinal causada pelo nemátode Strongyloides stercoralis. Ao contrário de outros parasitas, estes nemátodes podem viver indefinidamente no solo como formas livres.
Seu ciclo é muito semelhante ao do Ascaris, no entanto, suas larvas possuem a capacidade de maturação mais rápida, eclodindo o ovo ainda dentro da luz intestinal (antes da eliminação para o ambiente). Após a eliminação para o ambiente, a larva é capaz de penetrar a pele humana ativamente, ganhando a circulação venosa e atingindo os pulmões (Síndrome de Löffler).
Devido a sua capacidade de maturação muito rápida, algumas larvas de Strongyloides evoluem para a forma infectante ainda dentro da luz intestinal, havendo penetração ativa da mucosa levando a auto-infecção que aumenta consideravelmente a carga parasitária do indivíduo. Nos pacientes com comprometimento da imunidade celular (uso de corticóides, por exemplo) a auto-infecção pode representar uma grande risco por haver aumento descontrolado da carga parasitária.
Quadro Clínico, Diagnóstico e Tratamento:
Em sua forma clínica, a estrongiloidíase pode variar desde portador assintomático, passando por sintomas leves como dor epigástrica até quadros clínicos graves como a hiperinfecção em pacientes imunocomprometidos. Nesta última, além do dano causado pelo próprio parasita aos órgãos e tecidos, há frequentemente sepse por enterobactérias que atingem a corrente sanguínea através de translocação intestinal ou associadas às larvas.
O diagnóstico é feito através do exame de fezes que é capaz de detectar as larvas de Strongyloides através do método de Baermann-Moraes.
O tratamento é feito com Ivermectina 200mcg/kg via oral em dose única ou com Tiabendazol 50mg/kg em dose única. O albendazol por 3 dias é uma alternativa, porém possui alto índice de falha terapêutica.
Nos pacientes que serão submetidos à imunossupressão, está indicada a profilaxia com Ivermectina 200mcg/kg em dose única, mesmo naqueles com exame de fezes negativo. Nos pacientes com strongiloidíase disseminada, recomenda-se o uso de ivermectina 200mcg/kg 1x/dia por 2 dias.
ENTEROBÍASE:
A Enterobíase/Enterobiose ou Oxiurose/Oxiuríase é causada por oxiúros (Enterobius vermicularis), vermes nematódeos com menos de 15mm de comprimento e que parasitam o intestino humano. É uma das doenças parasitárias mais comuns do mundo.
Após deglutição dos ovos, as formas adultas formam-se no intestino, onde o macho e a fêmea acasalam. O macho morre após a cópula e é expulso junto com as fezes. A fêmea então migra para o cólon distal e para o reto. De noite, a fêmea sai do reto passando pelo esfíncter e deposita os ovos na mucosa anal e região perianal.
Quadro Clínico, Diagnóstico e Tratamento:
O quadro clínico mais comum é de prurido anal, principalmente a noite.
O diagnóstico é muitas vezes clínico, porém o método da fita gomada pode confirmar a suspeita diagnóstica.
O tratamento é feito com Albendazol 400mg ou Mebendazol 100mg ou pamoato de pirantel 10 mg/kg, todos feitos em dose única.
TRICURÍASE:
A Tricuríase é uma infecção pelo verme parasita Trichuris trichiura.
As formas sexuadas liberam os ovos nas fezes do hospedeiro. Após serem liberadas no ambiente, as larvas evoluem dentro dos ovos, que são posteriormente ingeridos por um novo hospedeiro. Ao atingir o trato gastrointestinal, as enzimas gástricas destroem a parede do ovo e as larvas alcançam a luz intestinal onde concluem o seu ciclo.
Quadro Clínico, Diagnóstico e Tratamento:
Classicamente o quadro clínico é representado pela presença de prolapso retal, que pode ser reduzido manualmente, dor abdominal e diarréia.
O diagnóstico é clínico, podendo ser confirmado através do exame de fezes pelos métodos de Hoffman e Faust.
O tratamento é feito com três dias de medicação: albendazol, mebendazol ou ivermectina.
TENÍASE:
A teníase ou solitária é uma infecção intestinal ocasionada principalmente por dois grandes parasitas hermafroditas da classe dos cestódeos da família Taenidae, conhecidos como Taenia solium e Taenia saginata.
As formas adultas vivem na luz do intestino do hospedeiro, onde após o ciclo de reprodução sexuada são capazes de eliminar as proglótes grávidas junto com as fezes. Esses ovos são ingeridos pelos hospedeiros intermediários (boi – T. saginata / porco – T. solium). Na luz do trato gastrointestinal dos hospedeiros intermediários, os ovos eclodem liberando as larvas que irão penetrar a mucosa, atingir a corrente sanguínea e posteriormente se alojar nos tecidos desses hospedeiros (vísceras, musculatura) onde formam os cisticercos. Quando o homem ingere a carne crua dos animais infectados, infecta-se com os cisticercos que ao entrarem em contato com a acidez gástrica eclodem e dão reinício ao ciclo de formação das formas sexuadas adultas. Quando o homem acidentalmente ingere proglótes (ovos) de T. solium, ele se torna o hospedeiro intermediário, ocorrendo a cisticercose.
Quadro Clínico, Diagnóstico e Tratamento:
A teníase cursa com dores abdominais, náuseas e perda de peso associados à diarréia ou constipação.
A cisticercose terá suas manifestações clínicas dependentes do local de implantação do cisto. As formas mais graves são aquelas que acometem o sistema nervoso central e as formas oftálmicas.
O diagnóstico da teníase é clínico, epidemiológico e laboratorial. Pode ser feito pela observação e descrição pelo paciente das proglótes eliminadas nas fezes. Laboratorialmente, a análise das fezes pelo método de tamização, auxilia no diagnóstico.
O diagnóstico da cisticercose é feito através de estudos sorológicos no sangue ou no líquido cefalorraquidiano após suspeita clínica.
O tratamento da teníase pode ser feito com Praziquantel 10mg/kg (máximo de 600mg) em dose única ou com Albendazol 400mg 1x/dia por 3 dias.
O tratamento da neurocisticercose é feito com Praziquantel 50mg/kg/dia por 21 dias associado a dexametasona para redução da resposta inflamatória decorrente da ruptura dos cistos. De forma alternativa pode-se utilizar Albendazol 15mg/kg por 30 dias, dividido em 3 tomadas diárias.
ESQUISTOSSOMOSE:
A esquistossomose, também conhecida como barriga d’água e febre do caramujo é uma doença causada pelos platelmintos do gênero Schistosoma.
O hospedeiro humano libera em suas fezes ovos que, ao entrarem em contato com a água de lagoas ou rios, eclodem liberando uma larva (miracídio) e infecta o hospedeiro intermediário (caramújo do gênero Biomphalaria). O caramujo infectado passa a eliminar larvas (cercárias) capazes de penetrar ativamente a pele humana.
Quadro Clínico, Diagnóstico e Tratamento:
O quadro clínico depende do estágio de evolução da doença. De uma forma geral, a infecção aguda pode ser assintomática ou evoluir com dermatite cercariana (micropápulas eritematosas pruriginosas). Após algumas semanas, o paciente pode apresentar Febre de Katayama (linfoadenopatia, febre, anorexia, dor abdominal e cefaléia além de diárréia, náusea, tosse seca e hepatomegalia).
Com seis meses de evolução o paciente pode evoluir para as fases crônicas:
– Hepatointestinal:
Diarréia, epigastralgia, fígado palpável com nodulações que evoluem com fibrose periportal ou fibrose de Symmers.
– Hepatoesplênica:
Hipertensão porta levando à esplenomegalia e à formação de varizes de esôfago. Pode evoluir com hemorragia digestiva (hematêmese ou melena). Na forma descompensada há insuficiência hepática, cirrose, hemorragias digestivas, ascite.
O diagnóstico é feito através da análise das fezes pelo método de Kato-Katz. A biópsia retal pode auxiliar nos casos em que o exame de fezes for negativo e houver alta suspeição clínica.
O tratamento é feito com Praziquantel 50mg/kg em dose única. Como alternativa, pode ser utilizado a Oxaminiquina 15mg/kg em dose única. Essas medicações são contra-indicadas em gestantes, em pacientes com insuficiência hepática grave, insuficiência renal ou outras descompensações clínicas.
AMEBÍASE:
A amebíase é uma forma de disenteria causada por protozoários geralmente do gênero Entamoeba.
Os cistos são formas resistentes expelidas com as fezes de pessoas infectadas. Após ingestão de água ou alimentos contaminados, a passagem pelo ambiente ácido do estômago induz a sua transformação já no intestino numa forma amébica. Esta rapidamente divide-se em oito trofozoítos, também amébicos. Os trofozoítos aderem fortemente ao meio, multiplicando-se e causando doenças, e em alguns casos transformam-se em formas císticas, que não aderem à mucosa e são expelidas pelas fezes.
Quadro Clínico, Diagnóstico e Tratamento:
A principal manifestação clínica é um quadro de disenteria, com diarreia sanguinolenta e de grande volume, sendo diagnóstico diferencial, por exemplo, de doenças inflamatórias intestinais como a retocolite ulcerativa. Nas formas invasivas, a disseminação hematogênica pode levar à formação de abscesso hepático causando febre baixa (geralmente de origem obscura) e perda de peso.
O diagnóstico é feito através da detecção de trofozoítas ou cistos nas fezes ou em aspirados de abscessos. Os anticorpos séricos podem auxiliar no diagnóstico do abscesso hepático.
O tratamento das formas intestinais é feito com Secnidazol 2g em dose única ou com Metronidazol 500 mg 3x/dia por 5 dias. Nas formas graves de amebíase intetsinal ou nas formas extra-intestinais, pode-se utilizar o Metronidazol 750 mg 3x/dia por 10 dias. Para o tratamento das formas intraluminais, deve ser associado o Teclosan em dose única de 1,5g.
GIARDÍASE:
Giardíase é a doença provocada pela infecção do intestino delgado pelo protozoário Giardia lamblia.
A giardíase é causada principalmente pela ingestão de água ou alimentos contaminados por fezes contendo cistos de Giardia lamblia. A exposição deste protozoário ao ph alcalino do duodeno ocasiona a transformação dos cistos em trofozoítas, que aderem à parede do intestino delgado.
Quadro Clínico, Diagnóstico e Tratamento:
A forma clínica é representada por uma diarréia, na maioria das vezes disabsortiva, marcada pela presença de gordura nas fezes – esteatorréia. O sintoma é causado pela destruição das vilosidades intestinais em consequência da adesão da giárdia à parede intestinal.
O diagnóstico é feito através do exame de fezes pelo método de Faust, capaz de identificar os cistos ou os trofozoítas deste parasita.
O tratamento é feito com Secnidazol 2g via oral em dose única ou Tinidazol 2g via oral em dose única ou com Metronidazol 250 mg via oral, 2x/dia por 5 dias. De forma alternativa, pode-se utilizar a nitazoxanida.
É importante ressaltar que apesar de a maioria das parasitoses apresentarem um curso benígno, sua grande difusão dentre a população mais pobre é responsável por considerável morbidade. A infecção afeta principalmente as crianças que evoluem com déficit de crescimento e aprendizado.
Desta forma, é fundamental a abordagem profilática com saneamento adequado, higiene e alimentação de qualidade.
COMO REALIZAR O EXAME DE FEZES:
Idealmente, o paciente deve coletar 3 amostras de fezes em dias diferentes. Isto porque a eliminação de alguns parasitas pode ser errática e o maior número de amostras e a alternância de dias pode aumentar o rendimento final do exame.
Métodos:
– LUTZ (ou Hoffman): Visualização de ovos pesados que sedimentam-se quando em solução – Ascaris lumbricoides, Trichuris trichura, Schistossoma mansoni.
– FAUST: Visualização de ovos leves que flutuam em solução. Também é adequado para a detecção de cistos de protozoários – Ancylostoma duodenale, Necator americanus, Ascaris lumbricoides, Trichuris trichura, Giardia lamblia, Entamoeba hystolitica.
– BAERMANN-MORAES: detecção de larvas vivas – detecção de strongiloidíase.
– Tamização: Taenia spp.
– GRAHAM: fita gomada – Enterobius vermicularis.
Tem dificuldade em parasito?! Veja o artigo Prova de Parasito chegando: O que fazer?
Muito bom e esclarecedor este artigo! Parabéns Dra Amanda pela contribuição!
Gostaria de lhe apresentar a visão de um leigo, diante das incertezas atuais frente ao coronavirus.
Na realidade, estou tentando pesquisar a ação da ivermectina no trato intestinal, porque um amigo me ligou e disse que foi aconselhado a tomar 2 comprimidos de ivermectina e mais 2 comprimidos nos próximos 15 dias e depois nem sei até quando! E me sugeriu que fizesse o mesmo para prevenir um contato futuro com o coronavirus. Como gosto muito de biologia e química, resolvi pesquisar, pois eu sei que a flora intestinal deve viver equilibrada com suas bactérias e vírus do mal e do bem. Penso que um antibiótico desnecessário possa vir a causar um desequilíbrio nesta flora beneficiando o crescimento de bactérias oportunistas e assim causando problemas a saude! Por isto estou tentando saber se além das reações colaterais indicadas na bula do remédio, quando aplicado para um tratamento específico, se o uso de forma irrestrita pode causar outros problemas, até mesmo em função da dosagem, pois como popularmente é dito, “a diferença entre o remédio e o veneno é a dosagem”.
Me preocupo, pois tudo isto é em função de desespero emocional causado pelo coronavirus. Li várias matérias sobre o uso da ivermectina, mas nada que até o momento, cientificamente comprove sua ação preventiva.
Que bom que você gostou, Gilberto! Continue nos acompanhando.