Paciente do sexo feminino, 55 anos, dá entrada no seu serviço com queixa de “tontura”. Relata que os episódios são recorrentes e vêm acontecendo há mais de um mês, durando menos de um minuto e sendo desencadeados, principalmente, ao se levantar da cama pela manhã ou ao se esticar para pegar algo em prateleiras mais altas do armário. As crises são caracterizadas pela sensação de que “os móveis ao redor estão girando” e a paciente sempre se apoia ou senta, com medo de cair. O que você faz? Solicita ressonância magnética do crânio? Encaminha para neuro? Ou tenta resolver o caso você mesmo?
A Vertigem Posicional Paroxística Benigna (VPPB) é uma das principais causas de vertigem na prática médica. Apesar de, como o próprio nome sugere, não implicar em consequências permanentemente debilitantes, o quadro de VPPB pode ser extremamente incômodo e até prejudicar o trabalho, os estudos ou a vida social daquele indivíduo. A boa notícia é que não são necessários exames caros nem procedimentos invasivos para resolver esse problema, apenas uma boa semiologia e manobras precisas. Que tal aprender como diagnosticar e tratar esse problema sem sair do ambulatório?
O que é a VPPB?
Primeiramente, vamos entender como a doença se apresenta para nós no primeiro atendimento.
A VPPB normalmente cursa com crises de vertigem rotatória, ou seja, com sensação de que os objetos ao redor estão girando. Essas crises têm curta duração e forte intensidade, e são desencadeadas ao realizar movimentos rápidos com a cabeça para algumas posições específicas, o que lhes confere a classificação de posicionais. O mais comum é o paciente se queixar de iniciar o quadro ao se levantar da cama, ao se deitar, ao girar na cama, ou ao estender o pescoço para pegar algo no alto ou fleti-lo para ver algo no chão.
As crises duram poucos minutos e costumam ser aliviadas espontaneamente. É comum a observação de nistagmo posicional, que é o movimento rítmico dos olhos em uma direção, desencadeado pelo posicionamento da cabeça. Dependendo da intensidade, pode resultar em quedas ao tentar se manter de pé ou andar. Assim, como outros tipos de vertigem, pode vir acompanhada de náuseas.
Existe associação do quadro com distúrbios metabólicos, especialmente hiperglicemia e hiperinsulinismo. As faixas etárias mais acometidas são os adultos e idosos e há predomínio do sexo feminino sobre o masculino, na proporção de 2:1.
Fisiopatologia
A VPPB tem origem no labirinto do sistema vestibular, localizado na orelha interna, e ocorre quando os otólitos, que são pequenas partículas de carbonato de cálcio que se localizam habitualmente no sáculo e no utrículo (cavidades do labirinto responsáveis por detectar aceleração linear da cabeça), se desprendem da membrana onde estão aderidos e ganham a endolinfa, líquido que circula pelos canais semicirculares (responsáveis por detectar a aceleração angular).
Quando esse fenômeno ocorre de maneira mais pronunciada, a presença dos otólitos nos canais estimula as células nervosas e gera informações equivocadas acerca da posição da cabeça, causando a vertigem. Por isso, a crise na VPPB é desencadeada por uma posição específica da cabeça, que é a posição que leva ao deslocamento dos otólitos.
O canal semicircular mais frequentemente acometido é o canal posterior (85-95% dos casos), o que ocorre devido à sua posição que facilita a entrada e aprisionamento dos otólitos. O canal lateral também pode ser acometido (5-10% dos casos), porém bem mais raramente causa clínica pois sua posição facilita a saída dos otólitos, e o canal anterior praticamente nunca é acometido, devido à sua posição que dificulta a entrada e permanência dos otólitos que eventualmente acabam entrando.
Manobras diagnósticas
Diante da suspeita clínica, devem ser realizadas algumas manobras diagnósticas que objetivam reproduzir o movimento desencadeante da crise a fim de descobrir qual o canal semicircular acometido e, a partir daí, indicar o tratamento adequado. A resposta esperada após a execução de uma manobra provocativa é, além da vertigem, que deve ser semelhante à das crises do paciente, o nistagmo de posicionamento, a partir de cujas características é possível localizar o problema.
Uma vez que respondem pela imensa maioria dos casos, focaremos nosso estudo nas manobras correspondentes à VPPB dos canais posterior e lateral.
Dix e Hallpike – Canal Posterior
A manobra mais clássica para diagnóstico da VPPB é a manobra de Dix e Hallpike, que consiste em, com o paciente sentado com as pernas sobre o leito, rotacionar sua cabeça 45º para um dos lados e, em seguida, deitar o seu tronco rapidamente, sem modificar a posição da cabeça, de modo que ela fique pendente na cabeceira do leito (sustentada pelo examinador). Na VPPB típica de canal posterior, após um período de latência, ocorre tontura e o nistagmo de posicionamento é paroxístico e torcional, com um componente vertical superior e um componente rotatório geotrópico (em direção ao solo). Isto é, o olho “bate” na direção do ouvido mais inferior. Após alguns segundos, a resposta desaparece e o examinador deve retornar o paciente à posição original.
Manobra de Dix e Hallpike. Fonte: FIFE, Terry D.; VON BREVERN, Michael. Benign paroxysmal positional vertigo in the acute care setting. Neurologic clinics, v. 33, n. 3, p. 601-617, 2015.
Se, após a execução da manobra de Dix e Hallpike, o paciente apresentar nistagmo horizontal, pode-se suspeitar de VPPB de canal lateral, o que indica a realização da manobra mais específica para esse canal: a manobra de Pagnini-McClure ou teste do rolamento.
Pagnini-McClure – Canal Lateral
Para esta manobra, o paciente é posicionado em decúbito dorsal sobre o leito, com a cabeça fletida 30º, posição em que os canais laterais ficam paralelos ao eixo gravitacional. O examinador deve girar rapidamente a cabeça do paciente para um dos lados e observar o relato da sensação vertiginosa e o nistagmo na direção horizontal. A cabeça do paciente é retornada para a posição original e a manobra é realizada agora no outro sentido.
Na VPPB de canal lateral, a resposta nistágmica e a sensação vertiginosa ocorrem com o giro da cabeça para ambos os lados, e a interpretação do lado acometido depende do tipo de nistagmo encontrado. Caso seja observado nistagmo geotrópico, isto é, em direção à orelha mais inferior, a resposta para o outro lado também será com nistagmo geotrópico e o canal acometido é identificado pelo lado com a resposta mais intensa. Essa é a forma mais comum. Porém, caso seja encontrado nistagmo ageotrópico, ou seja, no sentido da orelha mais superior, o canal afetado será determinado pela resposta menos intensa. Esse fenômeno decorre da localização do otólito ao longo do canal, se no braço longo (resposta geotrópica) ou no braço curto (resposta ageotrópica).
Manobra do rolamento. Fonte: FIFE, Terry D.; VON BREVERN, Michael. Benign paroxysmal positional vertigo in the acute care setting. Neurologic clinics, v. 33, n. 3, p. 601-617, 2015.
A VPPB de canal anterior pode manifestar nistagmo vertical na manobra de Dix e Hallpike, porém esse diagnóstico deve ser, obrigatoriamente, diferenciado de causas centrais como tumores de fossa posterior, degeneração espinocerebelar ou cerebelar, esclerose múltipla, transtorno de Arnold-Chiari, toxicidade por lítio ou doença paraneoplásica.
Manobras terapêuticas
Uma vez feito o diagnóstico topográfico da VPPB, deve-se proceder às manobras terapêuticas.
Manobra de Epley
Como a VPPB de canal posterior é claramente a mais comum, a manobra de reposicionamento de Epley é a mais importante e deve ser conhecida por todo médico.
Essa manobra consiste em 4 movimentos sequenciais, sendo o primeiro deles o mesmo da manobra de Dix e Hallpike, colocando a orelha acometida na posição mais inferior. A partir desse ponto, gira-se a cabeça em direção à orelha contralateral até que ela fique a 45º em relação ao plano vertical. A partir dessa posição, deve-se girar o tronco e as pernas do paciente lateralmente, na direção contralateral à orelha afetada, terminando com a cabeça rotacionada 135º em relação ao plano vertical, com a face do paciente em direção ao solo. Por fim, o tronco do paciente é levantado lateralmente, em bloco, mantendo a posição da cabeça, até terminar sentado na lateral do leito, momento em que se retorna a cabeça do paciente para a posição ortostática e a manobra está concluída.
A presença de nistagmo ou vertigem entre uma posição e a outra, ao longo da execução da manobra de Epley, são indicadores de bom prognóstico. Deve-se esperar cerca de 2 a 3 minutos em cada uma das posições para garantir a ação da gravidade e o correto reposicionamento.
Manobra de Epley. Fonte: FIFE, Terry D.; VON BREVERN, Michael. Benign paroxysmal positional vertigo in the acute care setting. Neurologic clinics, v. 33, n. 3, p. 601-617, 2015.
Manobra de Semont
Uma outra alternativa à manobra de Epley para tratamento da VPPB de canal posterior é a manobra de Semont, que consiste em, estando o paciente sentado na lateral do leito, “cair” para o lado acometido, com a cabeça a 45º para cima (olhando para cima). A partir desse ponto, o paciente é deslocado rapidamente para o outro lado, passando pela posição sentada e terminando no lado oposto, com a cabeça 45º para baixo (olhando para baixo). É importante manter o alinhamento original da cabeça e do tronco ao longo da manobra.
Manobra de Semont. Fonte: FIFE, Terry D.; VON BREVERN, Michael. Benign paroxysmal positional vertigo in the acute care setting. Neurologic clinics, v. 33, n. 3, p. 601-617, 2015.
Manobras de canal lateral
Existem várias manobras descritas para tratar a VPPB de canal lateral. As mais famosas são as chamadas manobras tipo “churrasco” (barbecue), como a manobra de Lempert, em que o corpo e a cabeça do paciente são rodados ao redor do eixo longitudinal sobre o leito. Essas manobras são eficazes, mas podem ser difíceis de executar em pacientes obesos, idosos ou com debilidades músculo-esqueléticas.
Manobra de Lempert. Fonte: FIFE, Terry D.; VON BREVERN, Michael. Benign paroxysmal positional vertigo in the acute care setting. Neurologic clinics, v. 33, n. 3, p. 601-617, 2015.
A manobra de Asprella-Gufoni é uma alternativa mais simples às manobras do tipo churrasco para VPPB de canal lateral. Ela consiste em, com o paciente sentado de lado no leito, lateraliza-lo rapidamente na direção do ouvido saudável, permanecendo assim por dois minutos e, em seguida, girar sua cabeça para baixo em um ângulo de 45º, permanecendo por mais dois minutos nessa posição. Por fim o paciente retorna à posição sentada. Essa manobra pode ser repetida de duas a três vezes por sessão.
Manobra de Gufoni. Fonte: FIFE, Terry D.; VON BREVERN, Michael. Benign paroxysmal positional vertigo in the acute care setting. Neurologic clinics, v. 33, n. 3, p. 601-617, 2015.
Para os casos de VPPB de canal lateral com variante ageotrópica, existe uma adaptação da manobra de Gufoni que difere da anterior no fato de, logo no começo, lateralizar o paciente para o lado do ouvido afetado e, na etapa seguinte, girar a cabeça 45º para cima, antes de retornar à posição sentada, respeitando os intervalos de dois minutos entre os movimentos. Normalmente, após a execução dessa manobra de Gufoni adaptada, a variante ageotrópica se transforma em geotrópica e é necessário realizar a manobra de Asprella-Gufoni original descrita anteriormente.
E o canal anterior?
Após serem excluídas as causas centrais para vertigem com nistagmo vertical e constatada VPPB de canal anterior, deve-se realizar a manobra de Yacovino (Deep Head Hanging Maneuver), que consiste em deitar o paciente na maca com a cabeça pendente e inclinada para trás para, em seguida, fletir sua cabeça e depois colocá-lo na posição sentada.
Manobra de Yacovino. Fonte: YACOVINO, Dario A.; HAIN, Timothy C.; GUALTIERI, Francisco. New therapeutic maneuver for anterior canal benign paroxysmal positional vertigo. Journal of neurology, v. 256, n. 11, p. 1851-1855, 2009.
Conclusão
Após o reposicionamento dos otólitos e resolução da vertigem e do nistagmo ainda no ambulatório, deve-se aconselhar o paciente a dormir com a cabeceira elevada por alguns dias, a fim de garantir a resolução do problema. É possível que o paciente volte a apresentar os sintomas, situação em que se pode repetir as mesmas manobras, após identificar novamente a localização dos otólitos.
Das manobras citadas, certamente as mais importantes são as de Dix e Hallpike e a de Epley, pois são as principais necessárias ao manejo da forma mais comum de VPPB, a de canal posterior.
Com o adequado conhecimento desses recursos, e a boa execução das manobras, você poderá resolver casos como o citado anteriormente e terá pacientes muito gratos pelo seu trabalho.