Todos sabemos que o pneumococo (nome mais carinho para o Streptococcus pneumoniae) é um importante agente de sinusites, otite média, pneumonia e até mesmo meningites. São cocos gram positivos normalmente sensíveis as penicilinas naturais e sintéticas. Entretanto, a circulação de cepas resistentes as penicilinas na comunidade é uma realidade e nós médicos precisamos saber como encarar essas cepas de frente.
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Existem dois cenários nos quais precisamos nos preparar para tratar adequadamente o pneumococo. O primeiro é aquele em que temos a cultura e o perfil de sensibilidade a droga e o segundo, aquele que não apresenta nenhum desses.
Pensando no cenário em que temos o acesso a cultura e perfil de sensibilidade, a primeira informação que precisamos saber para a realização desses testes é que o pneumococo produz autolisinas que degradam a sua parede e reduzem a sensibilidade da amostra. Portanto, após a coleta, é importante que as etapas de transporte e processamento da amostra sejam feitas de forma breve, para que não se aumente os falsos negativos de seu teste. A microscopia com coloração por Gram e cultura são principais métodos diagnósticos para este agente.
Feita a cultura e o perfil de sensibilidade, agora precisamos decifrar o que temos em nossas mãos. Estou falando de interpretar a temida MIC. Sim, toda vez que se fala em resistência, é importante que saibamos interpretar a MIC para cada caso. A leitura que deve ser feita é a seguinte: (ATENÇÃO ESSE SÃO MICs para Penicilina G cristalina)
- Se o sítio de infecção for o SNC: sensível se MIC < 0,06; resistência intermediária se MIC: 0,12 – 1,00 e resistente se MIC > 2,00
- Se o sítio de infecção for outro que não SNC: sensível se MIC < 2,00 e resistente se MIC > 8,00
E por que os valores são diferentes para as infecções de SNC? Simples, devido a penetração da droga no sítio (no caso deste teste padronizado – penicilina G cristalina). Sabemos que a meningite ocorre devido a uma bacteremia após uma sinusite, otite ou pneumonia. Portanto, o que guiará a interpretação da MIC são os sinais e sintomas que o paciente apresenta, pois se o paciente teve uma sinusite, mas evolui com rigidez de nuca ou sinais neurológicos focais, não podemos analisar o perfil de sensibilidade a partir de uma hemocultura e utilizar os valores de referência de MIC para sítio extra-SNC pelo fato da bactéria ter crescido a partir do sangue ou pelo sítio primário ter sido os seios da face. Como as manifestações são neurológicas, considera-se a MIC de referência para SNC para garantir a eficácia do tratamento.
Quanto ao tratamento, uma vez isolado o agente, podemos tratar os sensíveis com penicilina cristalina. Só lembre que a ação das penicilinas é tempo dependente, ou seja, se dá quando a concentração plasmática é maior que a MIC em um determinado intervalo de tempo. Por isso muitos médicos acabam optando por drogas com meias-vidas maiores, como vário outros beta-lactâmicos.
Quando as cepas forem resistentes, não há eficácia na associação de um inibidor de beta-lactamase ao tratamento, pois o mecanismo de resistência do pneumococo se dá por alteração das PBPs (proteinas de ligação a penicilina), e não por produção de beta-lactamase. A inclusão de um inibidor de beta lactamase ao tratamento apenas amplia o espectro para Haemophilus influenzae e Moraxella catarrhalis produtores de beta lactamases.
São opções de tratamento para as infecções fora do SNC:
- Cepas sensíveis (MIC ≤ 2): penicilina G cristalina 2 MU IV 4/4h, ceftriaxone, clindamicina, moxifloxacino e levofloxacino (quinolonas respiratórias)
- Cepas resistentes (MIC ≥ 8): ceftriaxone, moxifloxacino, levofloxacino, vancomicina, linezolida, ceftarolina.
- Resistência intermediária: se for infecção leve, pode tratar como sensível. Se não, tratar como resistente.
As infecções de sistema nervoso central têm como opções de tratamento:
- Sensíveis (MIC ≤ 0,06): penicilina cristalina 4 MU IV 4/4h, ampicilina, ceftriaxone, cloranfenicol.
- Resistentes (MIC ≥ 0,12): associação de vancomicina + ceftriaxone.
O ceftriaxone é um beta-lactâmico que, em geral, mantém-se eficaz no tratamento. Há pouca resistência a essa droga, pois as PBP com as quais o ceftriaxone interage não são as mesmas que foram alteradas pelas cepas resistentes. Lembrando que é sempre importante avaliar o perfil de sensibilidade para a droga que se escolhera para o tratamento.
No cenário em que não se tem o perfil de sensibilidade em mãos, o tratamento é feito de forma empírica. Não há dados epidemiológicos relevantes que sugiram infecção por cepas resistentes. De uma forma geral, identifica-se a refratariedade ao tratamento para se reavaliar a antibioticoterapia utilizada. Uma troca muito comum e pouco eficaz na antibioticoterapia quando se trata de pneumococo resistente é adotar o uso de macrolídeo (em geral azitromicina). É muito comum nas cepas de pneumococo resistentes a penicilinas, haver resistência também a macrolídeos, podendo a mudança na antibioticoterapia não ser tão eficaz. A menos é claro que se tenha em mãos o perfil mostrando sensibilidade ao macrolídeo.
Na falência da terapêutica com penicilinas, o ideal é realizar a cultura e teste de sensibilidade, entretanto, o tratamento empírico pode ser feito com o uso de ceftriaxone, quinolonas respiratórias ou linezolida para as formas pulmonares, ou então, para as formas de acometimento do SNC, a associação de vancomicina e ceftriaxone são eficazes como terapia empírica.
Referencias:
- Harboe ZB, Benfield TL, Valentiner-Branth P, Hjuler T, Lambertsen L, Kaltoft M, Krogfelt K, Slotved HC, Christensen JJ, Konradsen HB. Temporal trends in invasive pneumococcal disease and pneumococcal serotypes over 7 decades; Clin Infect Dis. 2010 Feb 1;50(3):329-37. doi: 10.1086/649872.
- Weinstein MP, Klugman KP, Jones RN. Rationale for revised penicillin susceptibility breakpoints versus Streptococcus pneumoniae: coping with antimicrobial susceptibility in an era of resistance. Clin Infect Dis. 2010 Feb 1;50(3):329-37. doi: 10.1086/649872.
- Jansen AG, Rodenburg GD, van der Ende A, van Alphen L, Veenhoven RH, Spanjaard L, Sanders EA, Hak E. Invasive pneumococcal disease among adults: associations among serotypes, disease characteristics, and outcome. Clin Infect Dis. 2009 Jul 15;49(2):e23-9. doi: 10.1086/600045.
- Barth Reller, Melvin P. Weinstein, Anja M. Werno, David R. Murdoch; Laboratory Diagnosis of Invasive Pneumococcal Disease, Clinical Infectious Diseases, Volume 46, Issue 6, 15 March 2008, Pages 926–932, https://doi.org/10.1086/528798
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