A prova tuberculínica (PT) é um exame de extrema relevância para o diagnóstico da infecção latente da tuberculose (ILTB) no Brasil. Ela consiste da infusão de protéico do M. tuberculosis (PPD) no sub-cutâneo para medir a resposta imune celular do indivíduo. Nesse contexto, a padronização das técnicas de aplicação e de leitura da PT confere ao exame maior confiabilidade e precisão na indicação do tratamento da infecção latente da tuberculose, sendo essa uma das medidas mais importantes para o controle da doença. Apesar disso, a realização da prova tuberculínica nem sempre é possível, devido às dificuldades inerentes ao processo de treinamento de técnicas de aplicação e de leitura da PT após a infusão do PPD. Sendo assim, o que se observa no cenário brasileiro é a falta da disponibilidade desse exame na rotina dos diferentes tipos de unidades de saúde e, em geral, pode- se dizer que a disponibilidade da prova tuberculínica ainda se encontra relativamente restrita a serviços de referência em tuberculose, hospitais e clínicas especializadas de determinadas regiões do país.
A partir do incremento da prova tuberculínica, contribui-se para um maior conhecimento sobre o comportamento, o desenvolvimento da tuberculose (TB) e da tuberculose latente (ILTB) em grupos específicos. Destaca- se aqui a importância da avaliação de contatos de casos de TB e pessoas portadoras do vírus da imunodeficiência humana (HIV). Desta forma, é importante estimular a capacitação de mais profissionais de saúde para a aplicação e a leitura da PT nos serviços de saúde, fazendo com que a disponibilidade do teste seja ampliada e não restrita aos serviços especializados. Inclusive, a necessidade de ampliação do acesso à prova tuberculínica é prevista nas recomendações do Programa Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT), especialmente para os grupos com maior risco de adoecimento por essa doença.
Ah, eu sei que todo mundo fala PPD como sinônimo de prova tuberculínea, não tem problema nenhum, mas não é exatamente a mesma coisa. O PPD é o derivado proteico injetado para fazer a prova tuberculínca, portanto, se você falar um ou outro na prática não tem problema nenhum.
Tuberculose ativa e infecção latente da tuberculose: qual é a diferença?
O indivíduo, ao entrar em contato com o Mycobacterium tuberculosis, conta com diferentes mecanismos de defesa inespecíficos contrários à instalação do bacilo, entre eles os pelos nasais, a angulação das vias respiratórias, o turbilhonamento aéreo, a secreção traqueobrônquica e, o mais importante, a limpeza mucociliar. Vencidas essas barreiras, o bacilo instala-se no pulmão, onde são fagocitados por macrófagos alveolares que, eventualmente, os transportam aos gânglios linfáticos e hilares. Os bacilos podem se multiplicar livremente dentro dos macrófagos e chegar a destruí-los, passando ao espaço extracelular. Alguns bacilos podem ser transportados por via linfo-hematogênica disseminando-se, nesse caso, por todo o organismo
A tuberculose latente
Uma vez vencidos os mecanismos de defesa inespecíficos contrários à intalação do M. tuberculosis, os bacilos instalam- se nos pulmões, são fagocitados por macrófagos alveolares e podem multiplicar- se livremente dentro desses macrófagos. No entanto, dentre os indivíduos infectados, a maioria (cerca de 90%) resiste ao adoecimento após a infecção e desenvolve imunidade parcial à doença.
Nesse caso, os bacilos ficam encapsulados, em estado latente, em pequenos focos quiescentes, chamado de infecção latente da tuberculose. Dependendo dos fatores de risco, esses pacientes com infecção latente podem ter ou não indicação para realizar o tratamento da ILTB. Devemos ter em mente que, nos casos de diagnóstico da infecção latente da tuberculose (ILTB), o profissional no serviço de saúde deve encaminhar o paciente ao médico para que seja afastado o diagnóstico de tuberculose ativa e avaliada a indicação do tratamento da ILTB.
Tuberculosa ativa
Uma minoria dos indivíduos infectados pelo M. tuberculosis (aproximadamente 5%) não é capaz de impedir a multiplicação inicial do bacilo e desenvolve, portanto, a tuberculose ativa na sequência da primoinfecção, a qual é denominada tuberculose primária. Além desses, também cerca de 5% do total de infectados conseguem bloquear a infecção na fase inicial, mas adoecem posteriormente, o que caracteriza o quadro de tuberculose pós-primária ou secundária. Por sua vez, essa forma pós- primária pode ocorrer por reativação desses bacilos – em um processo de reativação endógena – ou por exposição à nova fonte de infecção – em um processo de reinfecção exógena.
Um resultado positivo à prova tuberculínica não é diagnóstico de tuberculose ativa!
Voltando para o nosso foco, que é a prova tuberculínica (que todo mundo chama de PPD e é quase sinônimo, né?), é preciso deixar claro que um resultado positivo à prova tuberculínica não é diagnóstico de tuberculose ativa, mas indica que o indivíduo foi infectado pelo Mycobacterium tuberculosis em algum momento de sua vida. Por isso é extremamente importante que, em crianças e adolescentes, o resultado da PT seja analisado em conjunto com outras manifestações clínicas e epidemiológicas, por meio do escore clínico para afastar o diagnóstico da tuberculose pulmonar, particularmente, nos casos negativos à baciloscopia, com finalidade de permitir o tratamento da ILTB.
Fundamentos da prova tuberculínica
A tuberculina é um produto obtido de um filtrado de cultivo concentrado e esterilizado de sete cepas selecionadas do M. tuberculosis, o que produz um líquido injetável límpido, incolor ou levemente amarelado. Nesse sentido, a prova tuberculínica é um teste diagnóstico de infecção latente de tuberculose que se baseia em uma reação de hipersensibilidade cutânea após a aplicação do PPD por via intradérmica. A leitura deve ser realizada 48 a 72 horas após a aplicação, podendo ser estendido até 96 horas e, vale ressaltar, que o teste NÃO tem a capacidade de sensibilizar indivíduos não infectados, mesmo que repetido várias vezes. Além disso, é importante saber que há alguns fatores que interferem no teste, como a vacinação BCG e a presença de de micobactérias não tuberculosas (MNT).
A PT evidencia uma reação de hipersensibilidade do organismo diante das proteínas do bacilo da tuberculose, após contato com o M. tuberculosis. Ocorre um aumento da permeabilidade vascular com exsudação de fluídos o que, por sua vez, provoca o surgimento de eritema e edema local na derme, com pico entre 48 a 72 horas após a administração do PPD. A reação evidenciada é chamada de hipersensibilidade tardia a qual se manifesta macroscopicamente com as alterações mencionadas. Somado a isso, são liberados fatores citotóxicos capazes de provocar citólise com liberação do conteúdo celular, em especial enzimas lisossômicas que são capazes não apenas de potencializar a resposta inflamatória, como também de participar de reação de necrose.
Um conceito importante!
Conversão tuberculínica
A conversão tuberculínica também é muito conhecida como viragem tuberculínica e ocorre quando uma pessoa, sem resposta anterior à tuberculina, passa a responder ao teste. Nesses casos, objetivamente, considera- se um aumento de pelo menos 10mm em relação à PT anterior, indicativo de que houve conversão.
Nesse momento, você deve estar se perguntando: qual deve ser o período entre a realização da primeira e da segunda prova tuberculínica para ver se houve conversão?
Atenção: a fim de testar a conversão, a segunda PT deve ser realizada oito semanas após a primeira e não antes. Isso porque, antes desse período de 8 semanas, a pessoa pode se encontrar na janela imunológica.
Efeito booster
A avaliação do efeito booster busca uma reativação da resposta imunológica à tuberculina pelas células de memória, por meio de reforço do estímulo com nova aplicação de tuberculina após uma a três semanas da primeira PT. Isso porque, na prática, os indivíduos infectados pelo bacilo de Koch (BK) podem ter sua capacidade de reação à PT diminuída com o tempo, devido à perda da resposta dos linfócitos T de memória e, assim, algumas pessoas podem apresentar resposta negativa da prova tuberculínia, mesmo que estejam infectadas pelo Mycobacterium tuberculosis.
Define-se como efeito booster quando a segunda PT (realizada de uma a três semana após a primeira) for ≥ a 10 mm, com incremento de pelo menos 6 mm em relação a primeira PT. O aumento da enduração comparada à primeira testagem pode causar uma falsa impressão de conversão ao teste. O que deve de fato ser entendido é que a reatividade às micobactérias latentes foi restaurada pelo estímulo antigênico gerado pela prova inicial.
Atualmente, a indicação de testar o efeito booster está bastante restrita, sendo recomendado somente na avaliação inicial de profissionais de saúde ou de trabalhadores de outros serviços com alto risco de transmissão do M. tuberculosis (como instituições prisionais, asilos e albergues) que foram negativos à primeira prova tuberculínica (resultado < 10 mm) para posterior acompanhamento anual de conversão tuberculínica. Ou seja, a segunda aplicação da tuberculina em uma a três semanas após a primeira é utilizada apenas para excluir uma falsa conversão tuberculínica no futuro. Nesses indivíduos não há indicação de tratar a ILTB, uma vez que o risco de adoecimento é muito baixo.
Quais são as indicações da prova tuberculínica?
A prova é indicada na investigação da infecção latente pelo M. tuberculosis (ILTB) no adulto e na investigação da infecção latente e de TB doença em crianças. Também pode ser utilizada em estudos epidemiológicos.
E quais são as indicações de tratamento da ILTB, levando- se em consideração o resultado da prova tuberculínica?
1.Caso a prova tuberculínica não tenha sido realizada
Caso a PT não tenha sido realizada, indica- se o tratamento de ILTB nas seguintes situações:
- Recém-nascido coabitante de caso índice bacilífero;
- Pessoa vivendo com HIV/aids com cicatriz radiológica sem tratamento prévio;
- Pessoa vivendo com HIV/aids contato de TB pulmonar.
2. Caso PT ≥ 5 mm
Caso a PT seja ≥, indica- se o tratamento de ILTB em:
- contatos crianças menores de 10 anos, não vacinadas com BCG;
- Contatos crianças menores de 10 anos, vacinadas com BCG há mais de 2 anos;
- Contatos crianças menores de 10 anos de povos indígenas (independente da BCG);
- Contatos adultos e adolescentes maiores de 10 anos;
- Pessoas vivendo com HIV/aids;
- Indivíduos em uso de inibidores do TNF-α;
- Alterações radiológicas fibróticas sugestivas de sequela de TB;
- Transplantados em terapia imunossupressora;
- Indivíduos menores de 65 anos em uso de corticosteroides (> 15 mg de prednisona por mais de um mês).
3. Caso PT ≥ 10 mm
Caso a PT seja ≥ 10 mm, indica- se o tratamento de ILTB em:
- Contatos crianças menores de 10 anos, vacinadas com BCG há menos de 2 anos;
- Portadores de silicose;
- Portadores de neoplasia de cabeça e pescoço;
- Portadores de neoplasias hematológicas;
- Portadores de insuficiência renal em diálise;
- Indivíduos menores de 65 anos com diabetes mellitus;
- Indivíduos menores de 50 anos com baixo peso (< 85% do peso ideal);
- Indivíduos menores de 50 anos tabagistas (> 1 maço/dia);
- Indivíduos menores de 50 anos com calcificação isolada (sem fibrose) na radiografia
4. Em casos de conversão tuberculínica
Nesses casos, deve haver PT com incremento de 10 mm em relação à PT anterior e, para avaliar conversão, é necessário realizar a prova tuberculínica pelo menos oito semanas após a primeira aplicação da PT. Indica- se o tratamento de ILTB em:
- Indivíduos contatos de TB bacilífera;
- Profissional de saúde;
- Profissional de laboratório de micobactéria;
- Trabalhador do sistema prisional;
- Trabalhadores de instituições de longa permanência.
Bem, já entendemos os fundamentos da prova tuberculínica, as indicações de sua aplicação, bem como as indicações de tratamento de ILTB. No entanto, existem condições que possuem a capacidade de interferir no resultado da prova tuberculínica. Nesse caso, é importante conhecermos esses valores, para que não sejamos levados a conclusões precipitadas. Vamos lá!
Fatores que podem interferir no resultado da prova tuberculínica
Alguns fatores interferem nas reações à prova tuberculínica. Quando respondem com reações falso-negativas, tais causas estão, geralmente, ligadas às condições das pessoas testadas, à própria tuberculina, àquelas relacionadas ao método de administração, à leitura e/ou à anotação dos resultados. Em termos gerais, podemos mencionar como fatores possivelmente relacionados à interferências no resultado problemas relacionados a tuberculina mal conservada por temperatura inadequada e/ou exposta à luz solar, contaminação da tuberculina com fungos, diluição errada, manutenção em frascos inadequados, desnaturação das proteínas, dentre outros. Além disso, em relação à aplicação, pode- se mencionar a injeção profunda ou em quantidade insuficiente, o uso de seringas e de agulhas inadequadas, bem como a administração tardia em relação à aspiração na seringa.
Adicionalmente, pode haver leitor inexperiente e/ou vício de leitura comprometendo a correta interpretação do teste. Somado a isso, outros fatores podem interferir, como a vigência de tuberculose grave ou disseminada, de outras doenças infecciosas agudas virais, bacterianas ou fúngicas, de imunodepressão avançada (AIDS, uso de corticosteroides, outros imunossupressores e quimioterápicos), de vacinação com vírus vivos, neoplasias (especialmente de cabeça e pescoço e as doenças linfoproliferativas), desnutrição, diabetes mellitus, insuficiência renal e outras condições metabólicas. Não podemos deixar de mencionar também a gravidez, crianças com menos de 3 meses de vida, idosos (> 60 anos), a presença de febre durante o período de realização da PT e nas horas que o sucedem, bem como a vigência de desidratação acentuada.
O que é mais comum: ter resultados falso-negativos ou falso-positivos?
Os resultados falso-negativos da prova tuberculínica são mais frequentes do que os falso-positivos. No entanto, isso não significa que não existem diversos fatores que podem gerar os resultados falso-positivos, pelo contrário. Em geral, esses resultados podem ser ocasionados por erro na aplicação e na leitura da PT, por excesso de antígeno e quando houver reações cruzadas com micobactérias não tuberculosas (MNT) ou por vacinação recente do BCG, bem como por diminuição da drenagem linfática da derme por estase venosa ou diminuição local do fluxo arteriolar.
Eventos adversos
Ocasionalmente, nos sujeitos muito sensíveis, podem aparecer lesões vesiculares ou necroses cutâneas com ulcerações, linfangites e adenopatias regionais de evolução autolimitada. No entanto, a ocorrência de febre é rara, bem como são infrequentes as adenopatias e as manifestações focais à distância. Apesar disso, quando a reação é muito intensa, ela pode vir acompanhada de vesículas, necrose e, em alguns casos, síndromes febris, linfangites e adenopatia satélite. As reações anafiláticas severas apresentam-se em poucas horas depois de aplicada a tuberculina. Também, após a injeção subcutânea de grande quantidade de tuberculina, pode ocorrer febre, tremores, náuseas e vômitos. Devemos lembrar que é recomendado evitar a aplicação da tuberculina em pessoas com lesões cutâneas no local da aplicação e próximo de vasos e veias superficiais.