O baço é um dos órgãos que estudamos juntamente aos órgãos linfoides, devido a sua função, mas também é estudado juntamente à cavidade abdominal, por estar localizado na mesma.
Hoje, vamos conhecer o papel desse órgão em nosso organismo, que muitas vezes é pouco lembrado, e mais do que isso, saber identificá-lo (presença ou “ausência”) no exame físico e, assim, se atentar para possíveis patologias.
Quem é o baço?
Talvez você tenha ouvido falar sobre o baço, mas não sabe muito bem da sua importância, então a primeira informação é: o baço é o maior órgão do sistema linfoide secundário (ou periférico).
É o único órgão linfoide interposto na circulação sanguínea. Sendo assim, ele é uma importante barreira à infecções e antígenos presentes no sangue.
Além dessa função imunológica, o baço também retira hemácias “velhas” da circulação.
Anatomia do baço
É um órgão ímpar, localizado no quadrante superior esquerdo (hipocôndrio esquerdo), posteriormente ao estômago e abaixo do diafragma.
Um baço saudável possui o mesmo tamanho de uma mão fechada. Um baço normal mede aproximadamente 13 x 8 x 3,5 cm. Seu peso varia entre 180 e 200 gramas.
O baço é revestido por uma cápsula de tecido conjuntivo, e esta emite septos pelo órgão, formando as trabéculas.
Quanto à vascularização arterial, o baço é suprido pela artéria esplênica, o maior ramo do tronco celíaco.
A drenagem é realizada pela veia esplênica. Após receber a veia mesentérica inferior, ela se une à veia mesentérica superior, e assim formam a veia porta.
Já a drenagem linfática é realizada pelos vasos linfáticos esplênicos que drenam para os linfonodos pancreaticoesplênicos.
Os vasos, sem artérias, veias ou vasos linfáticos, entram ou saem do baço pelo hilo esplênico, a única região que não é coberta pela cápsula fibrosa.
E a inervação é realizada por nervos esplênicos derivados do plexo celíaco. Esses nervos seguem o trajeto dos ramos da artéria esplênica. Uma das funções desses nervos é vasomotora.
Divisão estrutural do baço: polpa branca e polpa vermelha
Há uma divisão estrutural do parênquima do órgão em polpa branca e polpa vermelha, as quais diferem tanto em estrutura quanto em função.
A polpa branca é formada por tecido linfoide, que formam as bainhas periarteriais, e por nódulos linfáticos.
Nas bainhas periarteriais, há predomínio de linfócitos T, enquanto nos nódulos linfáticos a maior concentração é de linfócitos B.
Os linfócitos presentes na polpa branca, para serem lançados ao sangue, migram para a polpa vermelha, onde chegam aos sinusoides, e alcançam o sangue.
Já a polpa vermelha é constituída por cordões esplênicos (os Cordões de Billroth) e por sinusoides. Os cordões esplênicos são contínuos.
São formados por fibras reticulares, e por várias células sanguíneas e de defesa como macrófagos, linfócitos T e B, plasmócitos, leucócitos, granulócitos, eritrócitos e plaquetas.
Função do baço
O baço, apesar de não ser um órgão vital, possui inúmeras funções, como veremos a seguir.
O baço é um órgão linfoide interposto no sangue e, assim, atua como um “filtro imunológico” para o mesmo.
Algumas de suas principais funções são relacionadas ao nosso essencial sistema imunológico, uma vez que o baço é um órgão linfoide secundário.
Isso quer dizer que ele participa efetivamente da resposta imunológica, pois contêm células imunes maduras capazes de desencadear tal resposta.
Como conversamos anteriormente, na polpa branca há linfócitos B e linfócitos T. Esses linfócitos saem do baço e tomam a corrente sanguínea, onde cumprem seu papel de defesa.
Assim, infecções ou antígenos presentes no sangue são reconhecidos por APCs (Células Apresentadoras de Antígenos) ou por linfócitos B presentes no baço.
E inicia-se, então, a resposta imune adaptativa, onde o baço libera linfócitos T e B específicos para o antígeno.
Uma outra importante função do baço é realizar a remoção de eritrócitos (ou hemácias) velhos ou deformados.
Nossas hemácias possuem vida média de 120 dias e, ao alcançarem esse período de funcionamento, tornam-se senescentes e, assim, são removidas, principalmente, pelo baço em um processo conhecido como hemocaterese.
Essa destruição se dá por fagocitose, onde os macrófagos fagocitam e por meio de seus lisossomos digerem as hemácias.
Quando esses eritrócitos são digeridos, a hemoglobina presente neles também é fragmentada e dá origem a um pigmento conhecido como bilirrubina, que é liberada no sangue, e será captada pelo fígado para formação de bile.
Outro componente liberado é o ferro, que é armazenado por macrófagos como ferritina, ou é transportado pelo sangue ligado a transferrina, até a medula óssea onde será reutilizado.
E ainda, as cadeias de globina degradadas liberam aminoácidos que também são reaproveitados.
Exemplificando, você sabe que um indivíduo com anemia fica “amarelo”, certo!? Por que isso acontece? Em alguns tipos de anemia, como anemias hemolíticas, onde há uma destruição maciça de hemácias, fazendo com que o hematócrito (porcentagem de hemácias no sangue) reduza provocando a anemia, há também um aumento da formação de bilirrubina. E, por estar em maior quantidade, ela se acumula nos tecidos, levando a coloração amarela, conhecida como icterícia.
Além de destruir hemácias velhas, o baço remove também hemácias anormais, deformadas ou lesadas, uma vez que se alteradas em sua forma, por exemplo, não conseguem chegar aos pequenos capilares pois precisam ser maleáveis e flexíveis para tal função. Por exemplo, na anemia falciforme, onde as hemácias têm forma de foice. Essa alteração de sua forma impossibilita que haja a flexibilidade necessária para levar o oxigênio aos menores capilares sanguíneos e, sendo assim, não consegue cumprir sua função, podendo até se romper ou impactar os capilares. Por isso, o baço as remove mesmo antes dos 120 dias.
E uma outra função do baço é armazenar sangue, sendo assim um reservatório importante. Assim, quando ocorrem hemorragias o baço consegue repor certas quantidades de sangue à circulação.
Não podemos nos esquecer também de uma importante função do baço no período fetal, que é a hematopoiese. Até que a medula óssea se torne funcionante, quem produz as células sanguíneas é o baço. Isso corresponde ao período entre o segundo e o sexto mês de vida intrauterina.
Exame Físico: a Posição de Schuster
E agora que você já sabe sobre algumas peculiaridades do baço, como anatomia e função, vamos falar sobre, como palpar o baço no exame físico.
A primeira coisa que você deve saber é: você não vai conseguir palpar o baço em um indivíduo saudável. Isso porque o baço está protegido pelos arcos costais. Para que o baço seja palpável, é necessário que o tamanho esteja cerca de duas vezes maior que o normal (lembrando que o baço normal mede aproximadamente 13 x 8 x 3,5 cm, ou seja, ele se torna palpável quando essas medidas se duplicam). Menos de 5% da população possui o baço saudável e palpável.
A segunda coisa que você precisa saber é que: quando o baço aumenta seu tamanho, esse crescimento ocorre no sentido anterior, inferior e medial. Ou seja, ele cresce em direção à fossa ilíaca direita.
Antes de realizarmos a palpação do órgão, há a etapa da percussão.
Percussão
A percussão é realizada no conhecido espaço de Traube, um importante espaço anatômico e de importância clínica. É delimitado pelo 6º espaço intercostal esquerdo (limite superior), pela linha axilar anterior esquerda (limite lateral), se estende até o 9-10º espaço intercostal esquerdo sendo delimitado pelo rebordo costal esquerdo (limite inferior) e pelo lobo esquerdo hepático próximo ao apêndice xifoide (limite medial).
Ao percutir o espaço de Traube o normal é que o som seja timpânico.
Caso o baço esteja aumentado pode-se encontrar um espaço de Traube com som maciço à percussão uma vez que o baço passa a ocupar esse espaço, e sendo o baço um órgão sólido gera tal som maciço. Mas, ter macicez no espaço de Traube, não é o suficiente pra dizer que há esplenomegalia.
A macicez do espaço de Traube pode ser devido a esplenomegalia, claro, mas há outras causas. Massas neoplásicas sejam elas gástricas ou do cólon esquerdo, próximas à flexura esplênica, ou ainda neoplasias hepáticas do lobo esquerdo (que é um dos limites do espaço de Traube). Outra causa é quando há uma alimentação volumosa, aquele momento que você come como se não houvesse amanhã, e com isso o estômago se dilata para comportar os alimentos e pode assim ocupar o espaço de Traube. Algumas outras causas menos frequentes, mas que podem ocorrer também é um derrame pleural esquerdo, ou cardiomegalia.
Essa etapa do exame deve ser realizada a fim de obter possíveis sinais e estar mais atento na próxima fase que é a palpação.
Palpação
A palpação é a melhor forma de exploração clínica do baço. Por isso, é importante que você saiba realizá-la, para não perder nada no exame físico.
Lembrando que independente da posição ou técnica, a palpação do baço deve iniciar-se próximo a fossa ilíaca direita. “Mas se o baço está localizado no quadrante superior esquerdo qual o sentido de iniciar a palpação na fossa ilíaca direita?” Lembra que o baço quando aumentado cresce anteriormente, inferiormente e medialmente, indo assim em direção a fossa ilíaca direita? Então, por esse motivo devemos começar a palpar na fossa ilíaca direita, até chegar ao rebordo costal esquerdo. Se você palpar apenas próximo ao rebordo costal você pode perder esplenomegalias volumosas.
Uma das formas mais conhecidas de palpar o baço é pela posição de Schuster. O paciente deve estar posicionado em decúbito lateral direito com o membro inferior esquerdo fletido a 90° e o joelho serve como ponto de apoio sobre a mesa do exame, garantindo equilíbrio ao paciente. O membro inferior direito deve estar estendido. O membro superior direito fica estendido enquanto o membro superior esquerdo deve ficar fletido sob a cabeça. Essa posição induz a movimentação do baço em direção ao rebordo costal, o que facilita a palpação.
Para fazer a palpação, duas técnicas podem ser utilizadas.
Na primeira técnica, o examinador (no caso você), deve estar posicionado à direita do paciente, e posiciona-se a mão direita com a palma voltada para cima e levemente encurvada e lembrando que se inicia a palpação na fossa ilíaca direita até chegar a região do hipocôndrio esquerdo, e junto aos movimentos expiratórios aprofunda-se a mão. Quando o paciente inspira com a mão já aprofundada tenta-se sentir o órgão, ou seja, a palpação ocorre na inspiração. O aprofundamento da mão se dá na expiração, mas a possível palpação do baço ocorre na inspiração, pois, devido a mobilidade respiratória, o órgão “desce”.
A segunda técnica, conhecida como Mathieu Cardarelli, é realizada com o examinador à esquerda do paciente. A mão direita deve ser posicionada em garra, próximo ao rebordo costal esquerdo, onde procura-se sentir a borda inferior do baço.
Além da posição de Schuster, a palpação pode ser realizada em decúbito dorsal. A manobra é bimanual, onde a mão esquerda fica localizada sob a área de projeção do baço pressionando-a para cima, e a mão direita é quem palpa o abdome, em direção ao rebordo costal esquerdo, na tentativa de palpar o baço.
Durante a palpação você deve avaliar o tamanho do baço, claro, mas quando palpável outras características devem ser observadas. As características da borda do baço devem ser observadas. Geralmente quando acometido por infecções agudas, adquire consistência mole e com bordas rombas. Já em esplenomegalias crônicas, a consistência geralmente é dura e as bordas cortantes.
Além disso você precisa se certificar de que o que você está palpando realmente é o baço, e para isso você deve reconhecer duas ou três chanfraduras em sua borda interna. Essas chanfraduras são reentrâncias semicirculares que correspondem à direção do hilo.
Classificação e Causas de esplenomegalia
Muito falamos sobre baço, e sobre o seu aumento que corresponde à esplenomegalia, mas por que isso acontece? Há alguma classificação de acordo com o quanto o baço aumenta?
Há uma classificação de acordo com o quanto o baço aumenta seu volume, em 3 graus:
- Grau I: baço palpável apenas sob o rebordo costal
- Grau II: baço palpável entre o rebordo costal e uma linha transversal a cicatriz umbilical
- Grau III: baço palpável abaixo da cicatriz umbilical
Você pode ouvir também a expressão “esplenomegalia de grande monta”, que se refere ao grau III. A esplenomegalia de grande monta é aquela que ultrapassa a cicatriz umbilical. Algumas doenças provocam esse grau de esplenomegalia, como por exemplo, a leucemia mieloide crônica (LMC), a esquistossomose e a leishmaniose visceral (Calazar).
A esplenomegalia, independente do grau, pode ser causada por inúmeras doenças.
- Pode ocorrer por exemplo devido à algumas infecções, como a mononucleose, uma doença causada pela infecção pelo vírus Epstein Bar (EBV).
- O baço pode aumentar quando sua atividade de hemocaterese está intensificada, como em doenças que provoquem alteração da estrutura dos eritrócitos, como a talassemia major (alteração das cadeias da hemoglobina, alfa ou beta, sendo que no Brasil a maior prevalência é a beta talassemia) e a esferocitose hereditária (alteração da membrana eritrocitária provocando alteração do citoesqueleto; as hemácias apresentam-se menores e esféricas). Com isso, a destruição de hemácias aumenta, o que acarreta dentre diversos sintomas a anemia.
- Anemias, por exemplo a anemia megaloblástica, por deficiência de vitamina B12 ou deficiência de ácido fólico havendo produção de hemácias com volume aumentado, sendo assim ocorre uma destruição intensa de tais hemácias, provocando o aumento do baço.
- Hemoglobinopatias, como a anemia falciforme provocam a esplenomegalia.
- Neoplasias, como linfomas e leucemias, doenças que afetam a série branca, provocam um importante aumento do baço.
- Doenças externas ao baço também podem levar a esplenomegalia. Por exemplo, cirrose ou tumores hepáticos, ou ainda tumores pancreáticos. Essas condições podem provocar aumento da pressão venosa, e retrogradamente afetam o baço, provocando seu aumento. A hipertensão portal causada pela cirrose, por exemplo, provoca congestão venosa, e assim congestiona a veia esplênica, e consequentemente essa congestão leva ao aumento do volume do baço por um déficit na circulação.
- Doenças mieloproliferativas levam à esplenomegalia. Exemplos dessas doenças são a Policitemia Vera (aumento de todas as células sanguíneas – leucocitose, eritrocitose e trombocitose), Trombocitemia Essencial (aumento de plaquetas – trombocitose), Mielofibrose Primária (ocorre fibrose precoce da medula óssea, e o baço juntamente com o fígado, assumem a produção de células, tendo assim uma hematopoiese extramedular) e a Leucemia Mieloide Crônica (uma neoplasia que afeta a série mieloide, havendo proliferação de células neoplásicas).
- A leishmaniose visceral, a doença de Calazar, que falamos anteriormente, é também uma causa de esplenomegalia.
- Doenças de acúmulo também põem causar esplenomegalia, como é o caso da Doença de Gaucher, uma doença que provoca acúmulo de glicocerebrosídeo, e são encontradas células de Gaucher (macrófagos repletos de glicocerebrosídeo) em diversos órgãos, sendo um deles o baço.
Esplenectomia
Em alguns casos graves, a remoção cirúrgica do baço pode ser necessária, no processo conhecido como esplenectomia.
Como conversamos anteriormente, o baço não é um órgão vital, pois caso seja retirado outros órgãos podem realizar algumas de suas funções. Porém, um indivíduo sem o baço torna-se muito vulnerável a infecções graves, uma vez que deixa de possuir o baço como um filtro imunológico.
Diante de todas essas doenças e condições, as quais são em grande parte doenças graves e que o diagnóstico deve ser feito o mais precoce possível, para que o tratamento possa trazer bons resultados, acredito que há uma certeza, detectar um baço aumentado no exame físico é muito importante, visto que esse pode ser o sinal para que você investigue a causa de tal aumento, e assim o diagnóstico seja feito. Não se trata “apenas” de palpar um baço grande, mas sim de saber examinar o seu paciente para detectar um sinal que está presente em diversas doenças.
Não deixe isso passar!! Estude e treine o máximo possível, conheça as técnicas, as posições, e, quando uma esplenomegalia estiver presente, você conseguirá detectá-la.
Bons estudos, pessoal!!
Aqui é a Fabiana Paula, eu gostei muito do seu artigo seu conteúdo vem me ajudando bastante, muito obrigada.
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