Essa é uma dúvida muito comum no consultório médico. Como realizar a reposição hormonal masculina no meu paciente cardiopata? Há riscos? Isso aumenta o risco cardiovascular do meu paciente? Eu posso melhorar a vida do meu paciente com a reposição hormonal?
É no intuito de responder essas perguntas e algumas outras que este artigo vem falar sobre tal assunto.
O hipogonadismo tardio é caracterizado pelo declínio progressivo nos níveis de testosterona plasmática para valores abaixo da normalidade, gerando sinais e sintomas decorrentes da deficiência androgênica, no período conhecido como andropausa.
Normalmente, ocorre um declínio anual de cerca de 1% nos níveis séricos de testosterona total, havendo uma queda gradual e progressiva a partir dos 40 anos de idade.
Aproximadamente 30% dos homens acima de 60 anos de idade apresentam níveis menores de testosterona do que deveriam.
QUAL A FUNÇÃO TESTICULAR?
Bom, sabemos que o testículo possui duas funções principais: a de produzir esteroides sexuais e espermatozoides.
A testosterona é produzida pelas células de Leydig, estimulada pelo LH (hormônio luteinizante produzido pela hipófise) que por sua vez tem sua liberação estimulada pelo GnRH hipotalâmico.
Outros androgênios também são secretados pelas células de Leydig como, por exemplo, di-hidrotestosterona (DHT), deidroepiandrosterona (DHEA), androtenediona, o estradiol e alguns outros.
A testosterona circula em nosso corpo ligada principalmente à globulina ligadora de hormônios sexuais (SHBG) e algumas situações aumentam a concentração desta e sua produção hepática (ex.: envelhecimento).
Já a obesidade e hiperinsulinemia, por sua vez, diminuem essa produção.
TODA TESTOSTERONA É PRODUZIDA NO TESTÍCULO?
Não! Cerca de 95% da testosterona é proveniente do testículo, porém o restante é de origem adrenal.
E COMO SE DÁ A FISIOPATOLOGIA DO HIPOGONADISMO TARDIO?
Com a diminuição do número e da sensibilidade das células de Leydig aos estímulos do LH, disfunção hipofisária, há consequente disfunção testicular (processo natural com o avançar da idade).
QUAIS SÃO AS PRINCIPAIS FUNÇÕES DA TESTOSTERONA?
Seus principais alvos são os músculos, medula óssea, osso, cérebro e tecido adiposo (onde inibe a lipogênese).
Portanto, com a deficiência desse hormônio, além de disfunção sexual, vamos encontrar aumento da gordura visceral dos pacientes, aumento de conversão do hormônio masculino para estradiol (o que reduz ainda mais os níveis de testosterona), além de redução da massa muscular.
OK, GUILHERME! E COMO SUSPEITAR E FAZER O DIAGNÓSTICO DE HIPOGONADISMO TARDIO DOS MEUS PACIENTES?
Vamos montar um cenário do paciente com suspeita de hipogonadismo tardio, para que isso fique mais claro na nossa mente: homem se queixando de redução da libido, e da prática sexual, menor frequência de ereções matinais espontâneas, perda dos pelos do corpo, evoluindo com ginecomastia, atrofia testicular (mais comum que seja menor que 5 mL), infertilidade e redução da massa óssea.
Esse é o paciente que deve ligar nossa luz de alerta!
É comum que encontremos outros sinais e sintomas inespecíficos também, tais como: astenia, dificuldade de concentração, humor deprimido, sonolência, anemia e aumento da gordura corporal.
Então, no paciente com os sinais e sintomas descritos acima, em associação com níveis séricos de testosterona total e/ou livre abaixo do limite inferior da normalidade, o diagnóstico pode ser confirmado.
Para se tornar mais prático, o diagnóstico de hipogonadismo tardio pode ser realizado quando temos:
– Pelo menos três sintomas relacionados à área sexual
+
– Níveis séricos de testosterona total abaixo de 320 ng/dL
+
– Níveis séricos de testosterona livre abaixo de 220 ng/dL.
Além disso, é recomendado que os resultados de hormônios obtidos sejam confirmados em três ocasiões diferentes, com amostras de sangue obtidas em jejum.
E QUANDO O TRATAMENTO É INDICADO?
Algumas publicações (principalmente no ano de 2012) defendem que o tratamento deve ser instituído em todo paciente que a testosterona total estiver abaixo de 150 ng/dL.
Já naqueles com níveis entre 150 e 400 ng/dL, o mesmo deveria ser recomendado se o paciente possuir testosterona livre abaixo de 6,5 ng/dL.
As indicações específicas para o tratamento do hipogonadismo tardio no homem ainda é um tema controverso.
COMO REALIZAR O TRATAMENTO?
A escolha da forma de tratamento depende diretamente da adesão de cada paciente, além do custo que o paciente pode bancar.
A terapia pode ser realizada de diversas formas: adesivos transdérmicos, aplicação de gel e de forma parenteral (geralmente esta é a de menor custo).
Alguns dados disponíveis até hoje defendem que a testosterona injetável possui um risco maior do que as outras formas de aplicação, já que culminam em doses suprafisiológicas de maneira intermitente (aumentando o risco de infarto agudo do miocárdio).
QUAIS OS BENEFÍCIOS DO TRATAMENTO?
O tratamento, quando bem indicado, resulta em aumento da libido, melhora do humor, da qualidade de vida do paciente, além de otimização da composição corporal (aumento de massa óssea, ganho de massa muscular e perda de gordura corporal), além de ganho de força muscular.
E SOBRE O EFEITO CARDIOVASCULAR DA REPOSIÇÃO HORMONAL?
Alguns estudos demonstram que doses fisiológicas de reposição geram alguma melhora na função cardiovascular.
No entanto, superdoses podem levar à insuficiência cardíaca, aumento do risco de acidente vascular cerebral e infarto agudo do miocárdio.
Enquanto isso, doses insuficientes resultam em redução de sensibilidade à insulina, piora dos níveis séricos lipídicos, e aumento da gordura abdominal.
QUAL A SEGURANÇA CARDIOVASCULAR DO TRATAMENTO?
Esse ainda é um tema complexo e não totalmente conclusivo.
A maioria dos estudos randomizados e metanálises não nos permite afirmar com toda certeza se há aumento, diminuição ou equidade do risco cardiovascular quando há reposição hormonal masculina.
Estudos observacionais (Shores MM, et al) demonstram aumento do risco cardiovascular com a terapia androgênica masculina.
Por outro lado, uma metanálise (Fernández-Balsells MM, et al) que comparou uso de testosterona versus placebo demonstro aumento do risco relativo de infarto do miocárdio, enquanto, no mesmo estudo, uma revisão de subgrupo não demonstrou aumento de eventos cardiovasculares em homens acima de 65 anos.
Dois estudos randomizados (Srinivas-Shankar U, et al e Vigen R, et al) são paradoxais também nesse contexto.
Um demonstra que homens acima de 74 anos, com doenças crônicas e redução de mobilidade, em terapia hormonal, tiveram aumento de eventos cardiovasculares, enquanto o outro não demonstrou o mesmo efeito.
Portanto, ainda não temos uma resposta definitiva para essa pergunta, e devemos pesar o risco x benefício de cada paciente, suas queixas, qualidade de vida e possibilidades terapêuticas para que possamos indicar o tratamento com mais segurança.
ALÉM DOS EFEITOS CITADOS, QUAIS SÃO OS OUTROS RISCOS DO TRATAMENTO HORMONAL?
Antes de se iniciar o tratamento, história pessoal e familiar de tromboembolismo venoso deve ser procurada.
Há riscos de policitemia, piora de doenças prostáticas, neoplasia de mama em homens, piora ou início de apneia do sono.
JÁ OUVI FALAR QUE HÁ RISCO PARA NEOPLASIAS E DOENÇAS HEPÁTICAS COM A REPOSIÇÃO HORMONAL! ISSO É VERDADE?
O risco de hepatotoxicidade e de doenças do fígado geralmente se restringe às fórmulas hormonais administradas via oral, principalmente as que possuem compostos metilados.
COMO MONITORIZAR E ACOMPANHAR A TERAPIA?
Quando a terapia de reposição hormonal é indicada, o paciente deve ser acompanhado de perto pelo médico.
A análise laboratorial, com dosagens séricas dos hormônios, e avaliação clínica devem ser realizadas a cada 2-3 meses inicialmente.
Deve-se dar atenção especial aos níveis de testosterona sérica, hematócrito e PSA (antígeno prostático específico).
A aferição dos níveis séricos de testosterona deve ser obtida entre o intervalo das aplicações, tendo como objetivo os níveis próximos aos da normalidade (500 a 600 ng/dL).
A avaliação clínica deve possuir interrogatório sobre os sintomas sexuais e urológicos, surgimento de apneia do sono, dor precordial e outros sinais/sintomas.
QUAIS SÃO AS CONTRAINDICAÇÕES ABSOLUTAS PARA A TERAPIA HORMONAL MASCULINA?
A história de neoplasia prostática ou de mama; antígeno prostático específico sérico acima de 3 ng/mL; hematócrito acima de 50%; síndrome de apneia obstrutiva do sono não tratada; e insuficiência cardíaca Classe Funcional NYHA III-IV.
PRINCIPAIS CONCLUSÕES SOBRE O ASSUNTO:
Com o aumento crescente na expectativa de vida no mundo e no nosso país, esse tipo de acometimento e de queixas se tornarão cada vez mais frequentes no consultório médico.
Com isso, teremos que ter um olhar mais abrangente no sentido de melhorar a qualidade de vida (um dos principais objetivos da terapia hormonal) do nosso paciente e saber indicar corretamente o melhor modelo de tratamento para cada indivíduo.
Estimular e orientar de forma correta a prática de atividade física, com suporte nutricional apropriado, constituem medidas importantes para a manutenção da qualidade de vida, além dos benefícios na saúde cardiovascular, da composição corporal, na prevenção da obesidade e da síndrome metabólica (fatores contribuintes para a deficiência androgênica).
Apesar de não termos estudos que demonstrem um grande benefício cardiovascular para os doentes submetidos à terapia de reposição hormonal, ela consiste em um tratamento seguro e deve ser indicado quando o diagnóstico é feito de maneira correta, como descrito neste artigo.
Devemos lembrar que o objetivo da terapia é manter os níveis hormonais dentro da faixa da normalidade.
Não há por que ter receio no uso da testosterona, caso esta seja bem indicada, devendo ser decisão compartilhada com especialistas, médicos assistentes e com o próprio paciente.