A doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) é uma das mais importantes patologias digestivas. Tendo em vista a sua alta incidência, a intensidade dos sintomas e a gravidade das complicações.
É definida como sendo a condição que se desenvolve quando ocorre refluxo do conteúdo gástrico para o esôfago causando sintomas e/ou complicações. É uma das causas mais frequentes de consultas ambulatoriais e compromete de forma significativa a qualidade de vida dos pacientes.
O mecanismo do refluxo gastroesofágico mais relevante é o relaxamento transitório do esfíncter inferior do esôfago. Ele pode durar de 5 a 35 s e não guarda relação com a deglutição e ocorre quando há distensão do fundo gástrico por alimento ou gás. Além disso, outros fatores estão implicados na fisiopatologia da DRGE. Exemplos são hipotonia do esfíncter inferior do esôfago, hérnia hiatal por deslizamento, peristaltismo esofagiano inadequado, lesão da mucosa esofagiana, obesidade, gravidez e uso de estrógenos.
Manifestação Clínica:
Os sintomas típicos relatados pela maioria dos pacientes são pirose e regurgitação ácida. A pirose é definida como sensação de queimação retroesternal que se irradia do manúbrio esternal até a base do pescoço. Ela ocorre em geral 30-60 min após a ingestão de alimentos, especialmente se a refeição for copiosa. Pode ser aliviada após a ingestão de antiácido ou água. A regurgitação ácida é o retorno do conteúdo ácido até a cavidade oral.
Além dessas, outras manifestações clínicas atípicas podem ser decorrentes do refluxo gastroesofágico, sendo as mais referidas a dor torácica não coronariana, tosse, asma brônquica, disfonia, pigarro, erosão dental, aftas e halitose.
Os portadores da DRGE, principalmente aqueles com evolução de longa data, podem apresentar complicações, tais como esôfago de Barrett (EB), estenose péptica e hemorragia. A mais importante delas é o EB por sua predisposição em progredir para adenocarcinoma. O EB acomete 10 a 15% dos pacientes com DRGE. Consiste na substituição do epitélio escamoso esofágico, em geral de sua posição distal, por epitélio colunar glandular contendo células caliciformes. Outra complicação grave é a estenose péptica, sendo mais frequente naqueles com esofagite grave, cursando com disfagia decorrente da obstrução esofágica. A hemorragia é a complicação menos frequente, provocada pelas úlceras esofagianas.
Diagnóstico:
A principal ferramenta para o diagnóstico da DRGE é a história clínica. A anamnese deve identificar os sintomas característicos, sua duração, intensidade, frequência, fatores desencadeantes e de alívio. Se o paciente apresenta sintomas típicos (pirose e regurgitação) no mínimo duas vezes por semana, num período de quatro a oito semanas ou mais, o diagnóstico da DRGE deve ser suspeitado. A endoscopia digestiva alta e a pHmetria esofagiana são os métodos mais sensíveis de diagnóstico.
A Endoscopia Digestiva Alta (EDA) é o exame de escolha na avaliação de pacientes com sintomas da DRGE. A indicação é feita naqueles com sintomas crônicos, com idade superior a 40 anos e com sintomas de alarme. Esses podem ser disfagia, odinofagia, perda de peso, hemorragia digestiva e história familiar de câncer.
A pHmetria esofágica é um método específico e sensível para o diagnóstico de refluxo gastroesofágico e sua correlação com sintomas. Além de diagnosticar a presença e a intensidade do refluxo gastroesofágico, este exame caracteriza o padrão do mesmo, ou seja, se é ortostático, supino ou bi posicional. O exame está indicado nas seguintes situações: a) diagnóstico da DRGE em pacientes com endoscopia normal; b) caracterização do padrão do refluxo gastroesofágico; c) participação do refluxo ácido nas manifestações atípicas do refluxo gastroesofágico; d) estudo da recidiva de sintomas no pós-operatório; e) avaliação da eficácia do tratamento clínico.
Outros métodos complementares utilizados são:
– Manometria esofágica computadorizada:
Este exame não é utilizado para fins diagnósticos, porém, ele fornece informações muito úteis ao avaliar o tônus pressórico dos esfíncteres esofagianos e a atividade motora do corpo esofágico. O diagnóstico de hipotonia acentuada do esfíncter esofagiano inferior (menor que 10 mm Hg) sinaliza para o tratamento clínico de manutenção ou mesmo indicação de fundoplicatura. Além disso, fornece o diagnóstico de distúrbios motores específicos, tais como acalasia, doenças do colágeno, aperistalse e hipocontratilidade acentuada.
– Exame radiológico com contraste do esôfago:
Este exame possui baixa sensibilidade e especificidade para o diagnóstico da DRGE, devendo ser solicitado quando o paciente refere disfagia e ou odinofagia, pois ele avalia a morfologia do esôfago, demonstrando a presença de estenose e condições que favorecem o refluxo gastroesofágico, tais como hérnia hiatal por deslizamento e ângulo esôfago gástrico anormal.
– Cintilografia esofágica:
Este exame demonstra o refluxo gastroesofágico após ingestão de contraste marcado com técnesio99. É uma técnica não invasiva que pode ser utilizada para o diagnóstico da DRGE em crianças. Entretanto, é caro e pouco disponível.
– pHmetria esofágica prolongada sem fio (cápsula Bravo):
Este método tem como vantagens oferecer mais conforto para o paciente e registro do pH esofágico por tempo mais prolongado (até 96 horas). A cápsula é fixada por sucção na mucosa do esôfago distal de onde transmite, via telemetria, sinais para o receptor que é preso ao cinto do paciente e analisados por computador. A cápsula se desprende espontaneamente e é eliminada pelo tubo digestivo. A utilização deste método é muito restrita no Brasil, devido ao elevado custo da cápsula.
– Impedanciometria esofágica:
Este método é novo e demonstra os movimentos anterógrados e retrógrados do refluxo. Quando associado à pHmetria (impedanciopHmetria esofágica) avalia também a natureza física (líquido, gasosa ou mista) e química (ácido, não ácido, levemente ácido) do refluxo.
– Teste de Bernstein:
É um teste provocativo de perfusão da mucosa esofagiana com solução diluída de ácido clorídrico. O aparecimento de sintomas durante a perfusão é associado à sensibilidade e especificidade em torno de 80%. Entretanto, seu uso está praticamente abandonado com o advento da pHmetria esofágica de 24 horas.
Tratamento:
A abordagem terapêutica da DRGE inclui o tratamento clínico e cirúrgico, cuja escolha depende das características do paciente (idade, aderência ao tratamento, preferência pessoal, presença de comorbidades), além de outros fatores tais como, resposta ao tratamento, presença de erosões na mucosa esofagiana, sintomas atípicos e complicações.
O tratamento clínico tem por objetivos aliviar os sintomas, cicatrizar as lesões da mucosa esofagiana e prevenir o desenvolvimento de complicações. Ele se baseia em medidas não farmacológicas e farmacológicas.
– Não farmacológico:
elevação de 15 cm da cabeceira da cama; Moderar a ingestão de cítricos, café, bebidas alcoólicas e/ou gasosas, menta, hortelã, chocolate; Cuidados especiais com medicamentos anticolinérgicos, teofilina, bloqueadores dos canais de cálcio, alendronato; Evitar deitar-se nas duas horas posteriores às refeições; Evitar refeições copiosas; Suspensão do fumo; Redução do peso corporal em obesos.
– Tratamento farmacológico:
Os IBP em dose plena devem constituir o tratamento de escolha inicial por período de quatro a oito semanas. Se o paciente não apresentar abolição dos sintomas, a dose deve ser dobrada, isto é, antes do desjejum e antes do jantar.
Os antagonistas dos receptores H2 da histamina e os procinéticos são considerados drogas de segunda linha. Eles atuam bloqueando os receptores da histamina existentes nas células parietais, reduzindo a secreção de ácido. Os procinéticos têm a propriedade de acelerar o esvaziamento gástrico, porém não têm ação sobre os relaxamentos transitórios do esfíncter inferior do esôfago e devem ser indicados quando o componente de gastroparesia estiver presente. Se o paciente apresentar efeitos adversos aos IBP ou aos receptores H2 da histamina, pode-se prescrever os antiácidos, alginatos e sucralfato, os quais promovem alívio sintomático passageiro.
O tratamento cirúrgico está indicado para os pacientes que necessitam usar cronicamente a medicação, os intolerantes ao tratamento clínico prolongado e nas formas complicadas da doença. O tratamento cirúrgico consiste na confecção de uma válvula anti-refluxo gastroesofágica realizada com o fundo gástrico (fundoplicatura) e foi descrita por Nissen. Existem três tipos principais: a fundoplicatura total (Nissen), na qual há envolvimento total do esôfago (360o), a parcial (Toupet) e a mista, introduzida em nosso país por Brandalise & Aranha (1996).