Vivemos em um mundo cercado de sons. As buzinas dos carros, as vozes das pessoas, o barulho do ar condicionado e até nossa música favorita: todos esses sons fazem parte do nosso dia a dia e têm impacto fundamental na forma como interagimos com o mundo à nossa volta. Mas, você já pensou em como todas essas informações são captadas, percebidas e interpretadas pelo corpo humano? Que tal dar uma olhada em como funciona a nossa audição?
O que é o som?
O som é energia vibratória de caráter ondulatório que se propaga pelo meio elástico molécula a molécula, se comportando como uma onda mecânica.
A nossa capacidade de perceber um som se baseia essencialmente em duas características: a frequência, isto é, a quantidade de ondas sonoras por unidade de tempo, e a intensidade, que é o que chamamos de “volume” do som, que, na verdade, é determinada pela amplitude da onda. O ser humano é capaz de captar sons que variam desde a frequência de 16 Hz (Hertz, ou seja, oscilações por segundo) até 20.000 Hz, desde que cheguem até o ouvido com intensidade suficiente (medida em decibéis, dB).
Outra característica fundamental do som é o timbre. O timbre é uma característica inerente à fonte sonora e é o que difere dois sons de mesma frequência e intensidade. Por exemplo, tanto um piano quanto um violão podem emitir a nota lá, que tem 440 hz de frequência, mas o som de um será facilmente distinguível do outro, pois esses instrumentos têm timbres muito diferentes.
Como o som chega até nós?
Como o som é formado por ondas mecânicas, que se propagam molécula a molécula, o meio ideal para que essa propagação ocorra é o meio sólido, pois as moléculas estão juntas umas às outras. No meio líquido, as moléculas não estão tão próximas e deslizam umas sobre as outras, sendo a propagação pior que no meio sólido, mas ainda assim melhor que no meio gasoso, onde as moléculas estão afastadas umas das outras. Ou seja, o meio pelo qual mais frequentemente recebemos as ondas sonoras, o ar, é o pior meio para sua propagação.
Esse fato torna necessária uma espécie de amplificação para que o som seja captado com clareza. Nesse momento, entra em cena a parte periférica do nosso sistema auditivo, que é comumente dividido em 3 partes: a orelha externa, a orelha média e a orelha interna. O adequado funcionamento dos componentes desses 3 compartimentos permite que nosso sistema nervoso receba a informação sonora. Vamos ver como cada um deles funciona.
Por File:Anatomy of the Human Ear.svg: w:en:Mike.lifeguard *derivative work: VeryVeryTopper – A diagram of the anatomy of the human ear.Green is outer ear.Red is middle ear.Purple is inner ear., CC BY 2.5, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=69351891 https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Anatomia_da_orelha_humana.svg
Orelha externa
A orelha externa é formada pelo pavilhão auricular (a parte externa visível que comumente chamamos de “orelha”), pelo conduto auditivo externo e pela face externa da membrana timpânica. O pavilhão auricular é responsável por direcionar as ondas sonoras vindas de todas as direções para o meato acústico externo, por meio do qual se propagam e chegam até o tímpano.
A membrana timpânica tem em sua composição fibras colágenas que lhe conferem elasticidade e lhe permitem vibrar de acordo com a frequência e a intensidade das ondas sonoras recebidas. A vibração produzida no tímpano é propagada pelas estruturas das orelhas média e interna até que as informações nela contidas sejam transmitidas ao sistema nervoso e percebidas como som.
Orelha média
A orelha média é composta pela face interna da membrana timpânica, 3 ossículos e 2 músculos. Os 3 ossículos são o martelo, que mantém contato com a face interna da membrana timpânica, a bigorna e o estribo, que se articula com a orelha interna. As vibrações produzidas pela membrana timpânica são transmitidas ao martelo, que as transmite para a bigorna que, por sua vez, as transmite ao estribo, formando o sistema tímpano-ossicular. A passagem das vibrações por essa cadeia amplifica o som, pois a mesma onda produzida no tímpano é transferida a estruturas cada vez menores, mantendo a mesma frequência e intensidade. A platina do estribo é a sua porção final, que se articula com a janela oval, na orelha interna.
Os dois músculos são o tensor do tímpano, que mantém a tensão da membrana timpânica, e o estapédio, que auxilia na movimentação do estribo. Esses músculos funcionam de maneira antagônica: quando o tensor do tímpano tensiona o tímpano, o estapédio relaxa sua ação sobre o estribo e vice-versa. A contração e o relaxamento desses músculos otimiza a propagação do som, funcionando com um adaptador de impedância (que é a facilidade para transmissão de energia que um meio oferece), pois, ao receber uma onda de baixa frequência, a membrana timpânica se afrouxa, melhorando a transmissão dos sons graves, ao passo em que, ao receber uma onda de alta frequência, a membrana se contrai, facilitando a transmissão de sons agudos.
Orelha interna
A orelha interna está incrustada no osso temporal e é formada por duas partes: uma mais anterior e inferior, que é a cóclea, e outra mais posterior e superior, que é o aparelho vestibular. Essa parte superior, que abriga o aparelho vestibular, que é composto pelos canais semicirculares, pelo sáculo e pelo utrículo, compõe o sistema vestibular, um dos pilares que garantem o equilíbrio corporal. A parte inferior que abriga a cóclea é a parte que se comunica com o estribo da orelha média e participa da audição.
A cóclea é uma estrutura espiralada, composta por 3 compartimentos separados por membranas: a rampa timpânica, a rampa vestibular e a rampa média. A vibração transmitida pelo estribo para a janela oval leva ao deslocamento do líquido que preenche as rampas timpânica e vestibular, a perilinfa. O movimento da perilinfa é transmitido ao longo da rampa vestibular para a rampa timpânica e chega até a janela redonda, a extremidade final do sistema de rampas da cóclea.
A rampa média se localiza entre as rampas timpânica e vestibular e possui em seu interior outro líquido, a endolinfa, que também vibra pelo contato com os compartimentos adjacentes. Dentro da rampa média, sobre a membrana basilar, que a divide da rampa timpânica, existe uma estrutura chamada órgão de Corti, que possui neuroepitélio ciliado, disposto em fileiras. Acima do órgão de Corti está a membrana tectória.
As células ciliadas do órgão de Corti se apoiam sobre a membrana basilar e seus cílios mantém contato com a membrana tectória. Quando ocorre vibração na perilinfa, a membrana basilar também vibra e impulsiona as células ciliadas contra a membrana tectória, levando a despolarização dos cílios, o que gera potencial elétrico nessas células, que é transmitido pelo nervo auditivo até o sistema nervoso central.
O órgão de Corti funciona, então, como transdutor biológico, pois converte a energia mecânica em energia elétrica, que é transmitida por neurônios até o cérebro.
A membrana basilar percorre toda a extensão da cóclea e apresenta fibras de diferentes tamanhos, que vibram de acordo com a frequência do som captado, como se fossem as cordas de uma harpa. As fibras nas partes mais baixas da cóclea são mais curtas e esticadas e percebem os sons mais agudos, enquanto aquelas nas partes mais altas são mais longas e frouxas, percebendo sons mais graves. Ou seja, o conteúdo da informação que será enviada ao cérebro é determinado pela região da membrana basilar que é estimulada. As fibras dessa membrana são capazes de detectar todos os sons audíveis pelo ouvido humano. Essa disposição da membrana basilar, com áreas específicas captando diferentes frequências recebe o nome de distribuição tonotópica.
Condução nervosa
A informação sonora agora está contida em impulsos elétricos que navegam por neurônios até o córtex auditivo primário, no lobo temporal do cérebro, onde será interpretada. Os nervos que recebem os impulsos das células ciliadas do órgão de Corti se unem nos gânglios espirais, de onde se origina o nervo coclear que, juntamente com o nervo vestibular, forma o VIII par de nervos cranianos: o nervo vestíbulo-coclear. É importante ressaltar que, apesar de seguirem juntos em seu trajeto pelo crânio, os nervos coclear e vestibular têm origens, conexões centrais e funções distintas.
Trajeto das vias
O nervo coclear passa pelo meato acústico interno no osso temporal e entra no tronco encefálico na parte superior do bulbo, em sua junção com a ponte, ao lado do nervo facial (VII), na região do ângulo ponto-cerebelar. As fibras do nervo encontram os núcleos cocleares, localizados na ponte, de onde partem fibras que contornam as olivas superiores para constituir o lemnisco lateral, chegando até o colículo inferior e, então, até o corpo geniculado medial, no tálamo.
O tálamo funciona como receptor das aferências sensitivas de modo geral, distribuindo essas informações pelas respectivas áreas do encéfalo onde são processadas. No caso da audição, do corpo geniculado medial emergem as radiações auditivas que chegam até o córtex auditivo (áreas 41 e 42 de Brodmann), que se localiza no giro temporal superior.
Esquema das vias auditivas.
Cruza ou não cruza?
A maioria das fibras que deixam os núcleos cocleares cruza para o lado oposto, antes de formar o lemnisco lateral, porém algumas fibras seguem ipsilateralmente. Isso significa que a via auditiva apresenta componentes cruzados e não cruzados, ou seja, um hemisfério cerebral recebe informações auditivas provenientes dos dois ouvidos, o que torna praticamente impossível a perda da audição por lesão de uma só área auditiva.
E o tonotopismo?
A organização tonotópica, que orienta os impulsos nervosos relacionados a diferentes frequências a seguirem caminhos específicos, é mantida ao longo de toda via auditiva, desde a membrana basilar, onde é gerado o impulso nervoso, até o córtex auditivo primário, onde esse impulso é interpretado como informação auditiva.
Por Chittka L, Brockmann – https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Auditory_Cortex_Frequency_Mapping.svg, CC BY-SA 2.5, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=69369324
Interpretação da informação
O córtex auditivo primário recebe todas as informações auditivas e as decodifica como sons de diferentes frequências, intensidades e timbres. Adjacente à área auditiva primária (41) está a área auditiva secundária (42), que não tem organização tonotópica, mas participa da localização do som e processamento de sons complexos, como a voz humana, além de participar da formação de memória auditiva.
Como uma das principais funções da nossa audição é a comunicação por meio da linguagem falada, a área auditiva guarda íntima relação anatômica com a área de Wernicke (área 22 de Brodmann), a principal área de compreensão da linguagem em suas diferentes formas, que também se localiza no lobo temporal, um pouco posterior à área auditiva.
A área auditiva também realiza conexões com as áreas motoras primárias no giro pré-central no lobo frontal responsáveis pela fala: aquelas representativas dos lábios, do queixo, da língua e da laringe; e com a área de Broca (44 e 45 de Brodmann), responsável pela expressão da linguagem falada.
Conclusão
E é assim que funciona a audição. Se iniciando com a transmissão das ondas vibratórias do ar, que entram pela orelha externa, para as estruturas da orelha média, e então para a orelha interna, onde são convertidas em estímulos elétricos e seguem um complexo caminho nervoso até o cérebro onde finalmente ganham significado, nosso sistema auditivo é parte complexa e fundamental da nossa vida.
Agora que você sabe tudo isso, certamente irá ouvir o mundo de outra maneira.
Muito bom!! ??????