Com certeza você já ouviu, já leu, já aplicou algum trecho deste famoso texto (“O juramento de Hipócrates”). É considerado o juramento dos profissionais médicos, assim que recebem o título e devem honrá-lo até o final de suas vidas.
É belo, “corpulento”, mas você já parou para pensar de onde ele veio, o que ele quer dizer por si só, ou se ele realmente foi escrito ou dito por Hipócrates?
Aliás, você sabe quem foi Hipócrates? É por isso que este artigo existe, para seguirmos com a “História da Medicina” e trazer mais alguns dados dessa ciência, que também tem muito de arte, chamada medicina.
QUEM FOI HIPÓCRATES?
Na verdade, temos poucas informações sobre a história e a própria vida de Hipócrates. Seu conjunto de escritos, o “Corpus Hippocraticus”, foi na verdade escrito por vários autores (a maioria entre 420 e 370 a.C.).
Ele é referido como o pai da Medicina ocidental, sendo um médico grego (460 a.C. – 377 a.C.), famoso por rejeitar as crenças antigas que envolviam a origem sobrenatural das doenças até a época.
Até hoje, o código de ética que circunda a profissão, e leva seu nome, é relevante até os dias de hoje. É considerado o mais célebre médico da Antiguidade e o pioneiro da observação clínica.
O que temos de informação é que nasceu na Ilha grega de Cós, na costa da Ásia Menor, por volta do ano 460 a.C.
Era filho de Heráclides e Fenareta, descendentes de Asclépio (para quem não sabe, é deste o cajado que está presente no símbolo da Medicina), Deus grego da Medicina, por parte de pai, e de Hércules, por parte de mãe.
A família de Hipócrates teve prestígio durante gerações e se dedicou à prática médica e da magia.
O ano exato de sua morte é incerto, sendo 377 a.C. o estimado pelos biógrafos. Seu corpo foi sepultado em Larissa, na Tessália, Grécia.
A ESCOLA DE HIPÓCRATES:
Ensinava além dos princípios da Medicina, as relações pessoais adequadas entre médico e paciente.
Antes de Hipócrates o exercício da Medicina estava nas mãos dos sacerdotes de Esculápio (Asclépio), deus grego e romano da cura. A doença era vista como punição dos deuses aos homens. Dessa forma, os pacientes costumavam ir ao templo de Esculápio em busca de assistência dos sacerdotes.
Hipócrates negava esse possível poder dos deuses em curá-los. Ele buscava a explicação para as doenças de acordo com o mundo que o cercava, ensinando que o médico deveria observar atentamente o paciente e registrar os sintomas relatados.
A Escola Hipocrática sugeriu que a doença era o resultado de um desequilíbrio de quatro “humores” (líquidos): sangue, bile negra, bile amarela e fleuma (estado de espírito).
Com isso, confiou na terapia e na orientação dietética como tentativa de restaurar o equilíbrio. Um exemplo, as frutas cítricas eram consideradas úteis quando havia catarro em abundância. Foi com a Escola Hipocrática também que o histórico pregresso do paciente ganhou importância para o tratamento.
Com isso, surgiram algumas práticas que utilizamos até hoje na medicina. Hipócrates dava atenção ao aspecto dos olhos e da pele, temperatura do corpo, ao apetite e à eliminação de resíduos (ou seja, vários dos itens que tentamos visualizar na ectoscopia ensinada nas faculdades até hoje).
O grego insistia na importância das anotações diárias e de um mapa médico sobre o progresso do doente (evolução). Observou os efeitos do clima e as mudanças de estação influenciando as diversas doenças (ex.: maior frequência do resfriado no inverno).
Um grande feito também foi diferenciar os sintomas da doença. Segundo ele, os sintomas eram apenas manifestações exteriores de algo que estava ocorrendo no organismo.
Para ele, todo corpo traz em si os elementos essenciais para sua própria cura e recuperação. No entanto, o conhecimento do corpo só se torna possível a partir do conhecimento do homem como um todo.
A partir da Escola Hipocrática, a medicina passou a ser vista como ciência. Abriu as portas para a Medicina baseada em evidências.
OS FAMOSOS ESCRITOS DE HIPÓCRATES:
Os “Corpus Hippocraticus” ou escritos de Hipócrates são um extenso compêndio das obras e das recomendações médicas do grego, não sendo inteiramente de sua autoria.
Os escritos possuem diversos capítulos destinados a médicos e também conselhos para os estudantes de medicina.
Alguns exemplos de capítulos são: “Tratado Sobre o Mal Sagrado”, “Dos Ares”, “Águas e Lugares”, “Epidemias”, “Do Prognóstico”, “A Medicina Antiga”, “Aforismos”, “Da Cirurgia”, “Das Fraturas”, “Das articulações”, “Das Úlceras” e também o “Juramento”.
ALGUNS DOS FEITOS DE HIPÓCRATES:
Entre 430-429 a.C., Atenas passava por uma epidemia de peste que assolava a população. A doença foi “derrotada” após Hipócrates solicitar que fossem acesas fogueiras espalhadas pela cidade.
Esse pedido foi realizado após o mesmo ter observado que os artesãos, obrigados pela profissão a se manter perto do fogo, possuíam uma certa “imunidade” à doença.
“Ares, Águas e Lugares” (um dos seus escritos) é considerado o primeiro e grande tratado de saúde pública, climatologia e fisioterapia.
Foi o primeiro a tratar a epilepsia como doença. Abaixo como o mesmo descreveu a doença, conhecida na época como a doença sagrada:
“Vou agora discutir a respeito da doença a que chamam de sagrada. Na minha opinião ela não é nem mais divina nem mais santa que qualquer outra doença tendo, ao contrário, uma causa natural, sendo que sua suposta origem divina se deve à inexperiência dos homens e ao seu espanto ante seu caráter peculiar. Ora, enquanto os homens ficam assim a crer em sua origem divina, por motivo de não conseguirem explica-la, na realidade estão a repetir sua divindade, com o emprego do fácil método de curar que consiste em purificações e encantamento. Mas se a houvermos de considerar como divina só porque é espantosa, não existirá apenas uma, mas sim muitas doenças sagradas, pois que demonstrarei que há outras doenças que não são menos maravilhosas e portentosas.”
GRANDE PODER OBSERVACIONAL E DESCRITIVO:
Como já dito, valorizava e possuía grande talento para a observação e a descrição do que presenciava. Nesse tópico, exemplificamos com uma descrição dele sobre a difteria:
“A mulher com anginas que vivia em Aristion. Sua enfermidade começou na língua; voz inarticulada, língua vermelha e com manchas. Primeiro dia, tiritou de frio; em seguida, sentiu calor. Terceiro dia: calafrios, febre aguda; inflamação avermelhada e dura em ambos os lados do pescoço e do peito; extremidades frias e lívidas; respiração agitada; devolução de bebidas pelo nariz; não podia engolir; evacuações e urinas supressas. Quarto dia: todos os sintomas agravados. Quinto dia: morreu”.
Foi com Hipócrates que a Anamnese, a Evolução e a observação da Ectoscopia dos doentes se tornaram de suma importância. Isso, ainda hoje, mesmo com as grandes tecnologias que possuímos, constroem grande parte dos nossos diagnósticos e planos terapêuticos.
LENDA DE HIPÓCRATES:
Diz a lenda que foi membro de uma sociedade secreta conhecida como “Asclepíades”, dos filhos de Asclépio, onde se juntavam os sábios e estudiosos. Há afirmativas que Hipócrates jamais existiu, mas o próprio Platão afirma que Hipócrates viajou muito, contribuindo para o ensinamento da medicina pode onde passava.
AGORA SIM! O JURAMENTO DE HIPÓCRATES:
O juramento de Hipócrates, escrito pelo mesmo e por outros gregos da época, foi feito por médicos que juraram praticar a medicina com ética. No decorrer dos séculos, as versões foram se modernizando e se adequando ao momento vivido.
Você sabia que desde o final da década de 40, este texto é frequentemente revisado e modernizado pela Declaração de Genebra, e legitimizado pela The World Medical Association – WMA (Associação Médica Mundial).
No juramento original, o profissional médico jura a uma série de deuses para reverenciar seus professores de medicina, respeitar a privacidade do paciente e proteger os mesmos – e nunca dar uma droga letal, causar um aborto usando um pressário (tipo de supositório vaginal), realizar certos tipos de procedimentos cirúrgicos, ou fazer sexo com pacientes (percebam que são juramentos “adequados” à época original).
O juramento é recitado em uníssono por formandos do curso de medicina e tem por objetivo ser a expressão pública de que os novos médicos se comprometerão durante toda a sua carreira a praticar honestamente a medicina.
Alguns são críticos à manutenção do juramento nas cerimônias de formatura dos médicos nos dias atuais, alegando que outras profissões não realizam juramentos, como se estivessem seguindo um “sacerdócio”, sendo totalmente inadequado.
No entanto, na minha humilde opinião o juramento atualizado e adequado para a realidade do contexto social atual se faz válido no sentido da tradição e de reforço como dever civil do papel médico na sociedade.
Levando toda essa pequena discussão em consideração, vou exemplificar a versão mais “tradicional”, ou seja, mais próxima do texto original que temos até hoje (lembremos que praticamente não utilizada nos dias de hoje, existindo versões mais próximas da atualidade social e cientificamente):
“ Juro por Apolo, médico, e por Esculápio, por Hygéia, por Panacéia, e por todos os deuses e deusas, constituindo-os os juízes de como, na medida das minhas forças e do meu juízo, haverei de fazer executado o seguinte juramento e o seguinte compromisso: considerarei aquele que me ensinou esta arte o igual a meus pais; prometerei partilhar com ele os meus bens; e, se padecer necessidades, torná-lo-ei participante deles; considerarei os seus filhos meus irmãos, e, se quiserem aprender esta arte, haverei lh’a ensinar sem qualquer salário nem compromisso. Dos preceitos, das lições ouvidas e todas as mais instruções farei a transmissão aos meus filhos, aos filhos do meu mestre, aos discípulos ligados por uma obrigação, tendo jurado, segundo a lei médica; porém a ninguém mais. Aplicarei os regimes de vida para a utilidade dos doentes de acordo com a minha capacidade e meu juízo, abstendo-me de qualquer malefício ou dano (injustiça). Não porei nenhum veneno em mãos de ninguém, mesmo que n’o peçam, nem tomarei a iniciativa de o aconselhar; igualmente não entregarei a nenhuma mulher um pessário abortivo. Passarei a minha vida e praticarei a minha arte pura e santamente. Não operarei de nenhum modo os padecentes de litíase (não praticarei a litotomia), deixando a prática desse ato aos profissionais. Em quantas casas entrar, fá-lo-ei só para a utilidade dos doentes, abstendo-me de todo o mal voluntário e de toda voluntária maleficência e de qualquer outra ação corruptora, tanto em relação a mulheres quanto a jovens, sejam livres ou escravos. O que for que veja ou ouça, concernente à vida das pessoas, no exercício da minha profissão ou fora dela, e que não haja necessidade de ser revelado, eu calarei, julgando que tais coisas não devem ser divulgadas. Se eu cumprir fielmente este juramento sem infringir, seja-me dado gozar, feliz, da minha profissão, honrado por todos os homens, em todos os tempos; mas, se o violar e perpetuar um prejuízo, que o contrário me suceda”.
Sendo assim, a versão mais moderna do Juramento, atualizada em 2017:
“COMO MEMBRO DA PROFISSÃO MÉDICA:
RESPEITAREI a autonomia e a dignidade do meu doente;
GUARDAREI o máximo respeito pela vida humana;
NÃO PERMITIREI que considerações sobre idade, doença ou deficiência, crença religiosa, origem étnica, sexo, nacionalidade, filiação política, raça, orientação sexual, estatuto social ou qualquer outro fator se interponham entre o meu dever e o meu doente;
RESPEITAREI os segredos que me forem confiados, mesmo após a morte do doente;
EXERCEREI a minha profissão com consciência e dignidade e de acordo com as boas práticas médicas;
FOMENTAREI a honra e as nobres tradições da profissão médica;
GUARDAREI respeito e gratidão aos meus mestres, colegas e alunos pelo que lhes é devido;
PARTILHAREI os meus conhecimentos médicos em benefício dos doentes e da melhoria dos cuidados de saúde;
CUIDAREI da minha saúde, bem-estar e capacidade para prestar cuidados da maior qualidade;
NÃO USAREI meus conhecimentos médicos para violar direitos humanos e liberdades civis, mesmo sob ameaça;
FAÇO ESSAS PROMESSAS solenemente, livremente e sob palavra de honra”
Uma curiosidade: o antigo médico chinês Sun Simiao é conhecido pelo texto “Sobre a Sinceridade Absoluta dos Grandes Médicos”, frequentemente referido como o equivalente chinês do Juramento de Hipócrates.
DESSA FORMA, FICAMOS SABENDO UM POUQUINHO MAIS SOBRE A HISTÓRIA DO JURAMENTO HIPOCRÁTICO, E TAMBÉM DO SEU AUTOR!