Muito se fala e escuta sobre os músculos e o processo de contração muscular, mas você realmente sabe como esse processo acontece? Entender esse processo é importante desde a fisiologia, farmacologia, até a compreensão de certas doenças que afetam tal processo.
Antes de falar sobre contração muscular, para início de conversa: você saberia dizer qual a diferença entre o músculo estriado e o músculo liso na microscopia óptica? E os músculos da mímica facial? Você tem ideia de quais são?
Enfim, voltando ao foco principal…
A contração muscular é um mecanismo importantíssimo em nosso organismo, essencial para nos locomovermos, realizarmos nossas atividades diárias, comer, escrever, digitar. Tudo aquilo que empregamos um movimento, uma força, passa pela contração dos músculos.
Além disso, é essencial para o crescimento.
Hoje, vamos falar sobre o processo de contração do músculo esquelético, que ocorre em resposta à transmissão neuromuscular, realizada pelo sistema nervoso somático.
Sendo musculatura estriada, as ações são voluntárias – você pensa e depois executa o movimento, é sob comando. Para que o músculo se movimente, ele precisa ser inervado. Essa inervação é realizada por um neurônio motor somático.
Há um neurônio que chega ao músculo esquelético, e esse complexo neurônio + músculo esquelético formam a unidade motora, que é um conjunto de fibras inervadas por um único neurônio.
Quando há um movimento, inúmeras unidades motoras são somadas, e essa somação espacial é que garante um movimento efetivo. Além disso, o número de unidades recrutadas é diretamente relacionado ao grau de força do movimento.
Uma peculiaridade do sistema nervoso somático é que a atividade sempre é excitatória, que é a contração muscular.
As sinapses são formadas são sinapses químicas, ou seja, a transmissão nervosa é realizada por neurotransmissores. Na contração muscular, temos sinapses colinérgicas, que possuem como neurotransmissor a acetilcolina atuando em receptores nicotínicos do tipo 2 (N2).
O músculo esquelético possui uma região quimioexcitável, na qual a acetilcolina atua, e uma região eletroexcitável. É na região quimioexcitável que se inicia o processo, na junção neuromuscular.
O neurônio motor sofre despolarização de sua membrana, o que abre canais de cálcio voltagem-dependentes. Com isso, há influxo (entrada) de cálcio na célula, que se liga a uma proteína, a calmodulina, e esse complexo cálcio + calmodulina ativa a tubulino quinase, que, por sua vez, fosforila os microtúbulos, e, então, libera as vesículas contendo a acetilcolina. Essas vesículas são atraídas em direção à membrana para serem liberadas, pois possuem proteínas de atração.
Na vesícula, há a V-snare e, na membrana do terminal, a T-snare.
Com isso, as vesículas se direcionam à membrana, e as membranas da vesícula e do terminal se fundem, ativando a ATPase e fosfolipase, e, assim, cria-se uma passagem para a liberação da acetilcolina na fenda sináptica.
Após ser liberada na fenda sináptica, uma de suas ações é se ligar ao receptor nicotínico 2, para produzir o efeito da contração muscular. Para que o receptor nicotínico se abra, é necessário que duas moléculas de acetilcolina se liguem a ele.
Um outro destino da acetilcolina, e na maioria das vezes complementar à ligação ao receptor N2, ocorrendo posteriormente, é a degradação da acetilcolina pela enzima acetilcolinesterase. Esse processo encerra a atuação da acetilcolina. A degradação ocorre na fenda sináptica, onde a acetilcolinesterase degrada a acetilcolina formando acetato e colina. O acetato é eliminado e a colina é transportada ao terminal, e serve como substrato para formação de novas moléculas de acetilcolina.
Voltando à atuação da acetilcolina nos receptores N2, sabemos que os receptores nicotínicos são receptores ionotrópicos. Com isso, ao serem ativados, abrem um canal iônico, que, nesse caso, permite, principalmente, a passagem de sódio.
Essa atuação da acetilcolina gera um potencial, conhecido como potencial de placa motora (PPM), sendo que, quanto maior a concentração de acetilcolina, maior é a amplitude do PPM. Quando o PPM é amplo o suficiente, ele é propagado a uma região adjacente, conhecida como membrana eletroexcitável. Nessa membrana, a acetilcolina não atua.
Quem pode estimular a membrana eletroexcitável é o PPM gerado na região quimioexcitável. Assim, o PPM gera um ddp (diferença de potencial) na membrana eletroexcitável, que promove abertura de canais PDC (Canal dependente de voltagem) de sódio.
Nessa região, temos o desencadeamento de um potencial de ação, e, sendo assim, é necessário que atinja um limiar de excitabilidade para deflagrar o potencial de ação.
A membrana da célula muscular, o sarcolema, possui algumas invaginações, conhecidas como túbulos T. Quando o potencial de ação é gerado e percorre esses túbulos T, ocorre mudança em um receptor de membrana, o DHP (Receptor diidropiridina).
Esse receptor DHP possui uma interação com um outro receptor presente na membrana do retículo sarcoplasmático, o receptor Ryr 1 (rianodina), e, ao ocorrer a alteração de conformação do DHP, há abertura do Ryr 1. Com isso, o cálcio, que estava armazenado no retículo sarcoplasmático, é liberado para o sarcoplasma. Uma vez no citoplasma, o cálcio interage com proteínas ali presentes.
No citoplasma da célula muscular, há proteínas que são essenciais à contração muscular, como você já deve ter ouvido falar em actina, miosina, troponina e tropomiosina. Essas proteínas interagem entre si e com o cálcio, e, assim, promovem a contração.
As proteínas citadas acima estão dispostas em filamentos. Há o filamento grosso e o filamento fino. O filamento grosso é formado pela miosina, que é formada por hélices e por cabeças globulares.
Já o filamento fino é formado por filamentos de actina entrelaçados por tropomiosina, e com moléculas de troponina dispostas ao longo da tropomiosina. A tropomiosina bloqueia o sítio de ligação da miosina na actina.
Mas se está bloqueado, como elas interagem-se no processo de contração?
Quando o cálcio chega ao citoplasma, ele se liga à troponina, e essa ligação altera a conformação da tropomiosina, e, assim, deixa livre o sítio de ligação da miosina.
A miosina, então, liga-se à actina, e, utilizando energia da quebra de ATP, ocorre o deslizamento entre o filamento fino e o filamento grosso, encurtando o sarcômero e gerando, assim, a contração muscular.
Portanto, você já percebeu que, para a contração acontecer, cálcio e ATP são indispensáveis.
Relaxamento muscular
Não dá para ficar com o músculo contraído o tempo todo, certo?! Por isso, há mecanismos de relaxamento muscular que são essenciais para que uma nova contração possa acontecer.
O processo mais importante de relaxamento se dá por meio de transporte ativo primário, pela SERCA.
É ela quem mantém as concentrações basais de cálcio no citoplasma, e, após uma contração muscular, tendo altas concentrações de cálcio no citoplasma, ela é ativada para promover o transporte do citoplasma para o retículo sarcoplasmático.
Ao sair do citoplasma, o cálcio desliga-se da troponina, e, com isso, a tropomiosina retorna a sua conformação normal, bloqueando o sítio de ligação da miosina, e, assim, promove o relaxamento. Assim, se dá o processo de contração e o consequente relaxamento.
Fatores de alteração do processo de contração e relaxamento muscular
Muitos fatores ou até mesmo doenças podem alterar esse processo. Um exemplo disso é o uso da toxina botulínica na estética, ou usos clínicos como em pacientes com sequelas de AVE (Acidente Vascular Encefálico); pacientes com acalasia onde o esfíncter esofagiano inferior não relaxa, e isso dificulta o processo de digestão.
Nesses casos, a toxina botulínica impede a contração muscular, pois bloqueia a atração entre a V-snare e a T-snare, e, com isso, não há a exocitose da acetilcolina.
O processo também pode ser alterado na doença botulismo, onde há, por exemplo, a ingestão de alimentos contaminados por Clostridium botulinum.
É uma doença que pode ser grave, pois a neurotoxina, que impede a exocitose da acetilcolina, provoca não apenas um efeito local, mas um efeito sistêmico, e acetilcolina é importante em diversas outras situações além da contração muscular.
O indivíduo sofre parada de vários grupamentos musculares, e pode chegar à falência dos músculos respiratórios e óbito. Já o tétano, causado pelo Clostridium tetani, provoca uma contração exagerada.
As toxinas produzidas levam a uma alteração das proteínas snares em sinapses inibitórias, liberadoras de glicina.
Com isso, não há inibição da contração, e essa se instala de forma intensa, provocando todo o quadro sintomático observado, como a posição em opistótona e o trisma ou riso sardônico.
É uma contração mantida e intensamente dolorosa.
Um outro quadro que pode trazer alterações no processo de contração muscular, nesse caso deixando de acontecer a contração, é a Miastenia Gravis, uma doença autoimune, na qual há a produção de anticorpos contra os receptores de acetilcolina, destruindo, assim, seu sítio de ligação. Sem a ligação da acetilcolina em seu receptor na placa motora, o nicotínico 2, não há contração muscular.
E, assim, vemos a importância de tantas etapas nesse processo, para promover a movimentação do nosso corpo e a capacidade de realizar inúmeras atividades cotidianamente. Vimos também que esse processo pode sofrer interferências de fatores internos ou externos ao indivíduo.
Espero que você tenha chegado ao fim deste artigo entendendo realmente o que a contração muscular, e, se não entendeu ainda, leia novamente.
“O sucesso é a soma de pequenos esforços repetidos dia após dia” – Robert Collier.
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