Introdução
O sopro de Austin Flint, por definição, é uma estenose mitral relativa a uma insuficiência aórtica, demonstrando para o examinador que o ausculta que aquele paciente é portador de uma insuficiência aórtica grave. Mas quem está por trás desse epônimo? Austin Flint não foi apenas o primeiro médico que evidenciou a presença desse sopro, mas sim um baita contribuinte para a medicina do mundo. Suas descobertas e pesquisas foram capazes de melhorar a eficácia do tratamento de diversas doenças, como a rubéola, além de permitir o diagnóstico preciso das desordens provenientes do coração, como a insuficiência aórtica grave, auxiliando na melhora da sobrevida dos doentes, na maioria das vezes.
Austin Flint
Nascido em 20 de outubro 1812 em Massachussets, filho de Joseph Henshaw Flint e Hannah Williard Reed, Austin Flint era professor e lecionava em 6 faculdades de medicina diferentes. Nos tempos vagos, também era escritor. Se formou em medicina na faculdade de medicina de Harvard, com 21 anos. Em 1835 casou-se com Anne Skillings e o fruto desse casamento veio à tona em 1836 com seu primeiro filho Austin Flint Jr. Em 1845, após se mudar para Buffalo, ajudou a fundar o Buffalo medical Journal, jornal em que foi editor por mais de 10 anos. Morreu em 1886 devido a um acidente vascular cerebral, mas foi reconhecido internacionalmente por suas contribuições na medicina. Após o seu falecimento, sua família continuou a manter o seu legado por quase 6 gerações. Seu corpo foi enterrado em Nova York e encontra-se em sua casa na 5th Avenue, uma das avenidas principais da cidade.
A família Flint possuía um grande renome dentro da história da medicina. O avô de Austin Flint, Dr. Austin Flint de Leicester, trabalhou muitos anos como cirurgião na guerra da Independência dos Estados Unidos, que ocorreu em 1776, e foi motivada pela assinatura do tratado de Paris, tratado este que colocou fim na guerra dos Sete Anos. Ao final dessa guerra, o estado do Canadá passou a fazer parte da Inglaterra, e o Dr. Austin Flint presenciou todo o conflito, ajudando seu exército salvando vidas. Seu pai também era cirurgião, Dr. Joseph Henshaw Flint, também criado em Massachussets. Quem convivia com ele sempre dizia que ele era aberto a novas ideias.
Na medicina
Austin se formou em medicina em 1833 e foi bastante elogiado pelos diversos professores que teve, além de elogiar os maiores mestres que teve em Harvard, como o professor Jacob Bigelow. Por longos e intensos 7 anos foi professor de Patologia no Hospital Universitário de Long Island. Além desse hospital, lecionou em diversos outros centros de medicina, como a Universidade de Louisville, Hospital de Bellevue e outra escola de medicina em Chicago.
Sua associação com a cardiologia se deu primeiramente através da sua parceria com o Dr. Joseph Rouanet em um hospital em Nova Orleans. E foi nesse mesmo hospital que Austin Flint foi capaz de identificar o sopro que levou o seu nome. Ele observou que, em alguns casos de insuficiência aórtica, o ventrículo esquerdo se enche antes da contração atrial. E esse sopro era produzido em decorrência disso e não devido a alguma lesão mitral pré-existente.
No decorrer de sua trajetória, escreveu muito mais do que 200 artigos, incluindo o artigo que descreveu o primeiro caso de rubéola na época, em 1840. Escreveu artigos como “Diseases of the Heart”, “Medical Essays on Conservative Medicine and Kindred Topics” e “Experimental researches into a new excretory function of the liver”. Além dos artigos, Austin Flint escrevia diversos livros, todos de grande contribuição e valor para a medicina do país.
Austin Flint se tornou membro de diversas sociedades científicas médicas nos Estados Unidos e em 1872 foi eleito o presidente da Academia de Medicina de Nova York, onde frequentou por 3 anos. Além disso, embora não tenha se tornado especialista nas diversas doenças que acometiam a população naquele século, Flint contribuiu com o estudo da tuberculose, observando a importância dos estudos de Robert Koch para com a evolução da doença.
O sopro de Austin Flint
Em alguns casos, é um sopro muito semelhante com o sopro de uma estenose mitral, porém ele é provocado pela insuficiência aórtica apresentada pelo paciente, que já atinge níveis mais graves e avançados. Como na insuficiência aórtica, grandes quantidades de sangue serão regurgitadas e, com isso, a válvula mitral se fecha antes do que deveria, gerando um sopro. Sopro este que é semelhante ao de uma estenose mitral. Quando houver dúvidas, o médico pode solicitar um ecocardiograma (método de escolha para o diagnóstico da insuficiência aórtica) para elucidação diagnóstica quanto a etiologia daquele sopro. Dizemos então que o sopro de Austin Flint é um ruflar diastólico, pois é observado na diástole.
Pacientes que apresentam esse tipo de sopro, na grande maioria das vezes, pertencem ao sexo masculino e no exame físico apresentam sintomas como dispneia progressiva e até mesmo angina pectoris (dor torácica em decorrência da baixa oferta de oxigênio para o miocárdio). Dentre as principais causas de insuficiência aórtica no nosso paciente, temos a endocardite infecciosa e a dissecção aguda de aorta (DAA) como as principais causas.
No ecocardiograma podemos encontrar sinais sugestivos de insuficiência aórtica quando for evidenciado alguns desses sinais, como por exemplo um doppler colorido com largura do jato maior do que 65% do diâmetro de saída do ventrículo esquerdo; inversão do fluxo diastólico na aorta (em sua porção abdominal); volume sistólico final do ventrículo esquerdo maior do que 60 mL/m2 e fração de ejeção menor do que 50%. Esses são achados que, quando presentes, falam muito a favor de insuficiência aórtica grave e podem cursar com o sopro de Austin Flint no exame físico. O tratamento se baseia na correção cirúrgica da válvula e, algumas vezes, pode-se indicar a associação de diuréticos, nitratos e drogas vasodilatadoras para melhora dos sintomas.
Conclusão
Por trás de todo achado semiológico temos um grande historiador e pesquisador que muito se dedicou ao estudo da medicina, como no caso de Austin Flint. O epônimo nunca é dado em vão, alguém tem que merecê-lo. Flint tanto estudou e com seus conhecimentos ajudou a pesquisar e identificar inúmeras doenças, morreu glorificado e tendo seu nome mantido por diversas gerações. Receber uma homenagem a sua descoberta não chega aos pés da gratidão que todos deveríamos sentir ao encontrar um paciente com o sopro de insuficiência aórtica quando estudarmos semiologia. Quando auscultarmos um sopro iremos lembrar, o sopro de Austin Flint.